João Alberto, Emilly e Rebecca. Mais vítimas da violência gratuita transformada em paisagem em nosso país. Mais pessoas negras vítimas do preconceito, do racismo que atravessa as relações sociais, pessoais e econômicas no Brasil.
Nosso país avançou muito até poucos anos atrás na cultura da diversidade, da tolerância, do respeito aos direitos e às diferenças. Foi a partir das lutas sociais, de políticas públicas e de avanços institucionais, todos eles impulsionados por um sentimento de solidariedade, que começamos a avançar após o silêncio imposto pela ditadura.
Neste momento, quem deveria continuar remando para a frente quer fazer o barco navegar para trás, retirar direitos, tornar normal que a juventude negra seja dizimada numa espécie de genocídio racial, que a população das favelas seja a principal vítima da pandemia. Que nosso trabalho, mesmo igual ao de um branco, tenha sempre uma remuneração menor.
O assassinato gravado e exibido de João Alberto é a face inevitável da violência que brota naturalmente do racismo estrutural. A execução das duas crianças também.
Para muitas pessoas, pode parecer difícil compreender o que leva profissionais encarregados de dar segurança a descarregar tanta violência sobre uma pessoa desarmada, asfixiando-a por quatro minutos diante de outros tantos que assistem, filmam. Ou o porquê de a bala perdida sempre encontrar um corpo negro pela frente.
A cor da pele conta para a compreensão da brutalidade, que é a outra face do preconceito, da omissão frente ao racismo. A intolerância é permitida contra os negros simplesmente porque somos vistos como “culpados” por sermos negras e negros.
Felizmente, os brasileiros não perderam a capacidade de se indignar. Os protestos são sinais da consciência crescente de que não haverá economia estável sem a inclusão da maioria da população, preta e parda. Assim como não há avanço civilizatório sem constranger a discriminação e o preconceito, sem o combate a perversões históricas como a escravidão, o apartheid e o racismo.
Os empresários e os governos precisam entender isso. Não é possível mais que seguranças de patrimônio e forças policiais ajam pelo princípio da culpa do negro. É preciso educá-los pelos princípios da tolerância.
Assim como a morte de George Floyd nos Estados Unidos abriu as mentes e provocou mudanças, as de João Alberto, Emilly e Rebecca também devem inspirar atitudes contra a injustiça e a impunidade. A Câmara dos Deputados, por iniciativa do colega Damião Feliciano, instalou uma comissão externa de deputados para acompanhar a investigação e cuidar para que o processo seja isento e ajude o Judiciário a fazer o julgamento correto. Da qual sinto-me honrada em participar. Também da Câmara tenho cobrado do governador Cláudio Castro que reveja estas operações policiais violentas nas favelas. Esta é mais uma herança do governo Witzel que precisa ser eliminada no nosso estado, para que possamos ter um Rio de Janeiro antirracista.
Benedita da Silva é deputada federal (PT-RJ)
*Publicado originalmente em O Globo