Desde março, 497 mulheres perderam suas vidas, apenas por serem mulheres. Entre março e agosto, foi um feminicídio a cada nove hora, com uma média de três mortes por dia. Os dados são do segundo monitoramento Um Vírus e Duas Guerras, feito por parceria entre sete veículos de jornalismo independente, que visa monitorar a evolução da violência contra a mulher durante a pandemia.
Este não foi o único estudo que relatou a violência que vem ceifando a vida das mulheres em 2020. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) revelou que os casos de feminicídio cresceram 22,2%,entre março e abril deste ano, em 12 estados do país, comparativamente ao ano passado.
O estudo Violência Doméstica durante a Pandemia de Covid-19 aponta que o estado com o agravamento mais crítico é o Acre, onde o aumento foi de 300%. Na região, o total de casos passou de um para quatro ao longo do bimestre. Também tiveram destaque negativo o Maranhão, com variação de 6 para 16 vítimas (166,7%), e Mato Grosso, que iniciou o bimestre com seis vítimas e o encerrou com 15 (150%). Os números caíram em apenas três estados: Espírito Santo (-50%), Rio de Janeiro (-55,6%) e Minas Gerais (-22,7%).
Enquanto as brasileiras morrem, o governo federal segue em sua linha “se falo que não existe, o problema não existe”. Assim como afirmou a inexistência do vírus, do racismo, das mortes pela pandemia, o presidente Jair Bolsonaro e a ministra de Direitos Humanos e Família, Damares Alves, seguem em sua política de fechar os olhos para a realidade das mulheres brasileiras.
Pelo contrário, estudo exclusivo feito pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), organização independente que analisa o poder público por meio do Orçamento federal, mostrou que, em 2020, Damares utilizou apenas 22% dos 566,9 milhões de reais de recursos que tem à disposição para implementar programas para a sociedade. Ou seja, neste ano, o ministério só investiu 35 milhões na elaboração de políticas, incluindo proteção de idosos e deficientes, combate à violência contra a mulher e pedofilia.
Uma das razões possíveis dessa medida é asfixiar programas criados em governos anteriores com o carimbo “de esquerda” cujo principal objetivo é proteger mulheres contra a violência. Exemplos de programas que sofreram esse corte foi A Casa da Mulher Brasileira, que acolhe vítimas de violência doméstica. Casos como a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial não recebeu um centavo. Na área de infância e juventude, programas federais estão sendo bancados pelos governos estaduais para que continuem existindo, porque não há uma única ação efetiva que não passe dos discursos “polêmicos” e das ações de desinformação nas redes sociais.
Outro dado preocupante nesse cenário é que enquanto os feminicídios aumentaram 22% e as chamadas de emergência subiram 3,8%, os registros de agressões feitos em delegacias diminuíram 10%, revelando alta nas subnotificações.”É preciso tomar muito cuidado ao analisar esses dados, porque eles indicam claramente que houve um aumento da violência doméstica durante a pandemia, mas também um crescimento da subnotificação”, explica Silvia Chakian, promotora de Justiça na área de violência doméstica contra mulher do Ministério Público de São Paulo, para a BBC. Outro forte indicativo da falta de procura por delegacias é o aumento de 45% dos chamados pela Política Militar no estado de São Paulo, em março de 2020, em relação ao ano passado.
“Apesar de sofrerem agressões e violências, elas não estão buscando mais as delegacias, seja pela sensação de que nada se pode fazer, pelo confinamento, pela falta de oportunidade e até mesmo pela dificuldade em formalizar o boletim de ocorrência. A extensão da pandemia somada à irresponsabilidade do governo Bolsonaro estão silenciando as mulheres dentro de casa, sem alternativa e com as próprias vidas em risco”, afirmou Anne Moura, secretária nacional de mulheres do PT.