A violência policial não para de fazer vítimas. Nesta segunda (14), o cabo Julio Cesar e o soldado Jorge Luiz, ambos da Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMRJ), foram presos pela Polícia Civil. Os dois são acusados de executar os jovens negros Edson Aguinez, de 20 anos, e Jorge Luiz, de 18, no sábado (12), em Belford Roxo, na Baixada Fluminense (RJ).
No dia 4, em Duque de Caxias, na mesma Baixada Fluminense, duas crianças negras, Emilly Victoria, de quatro anos, e Rebeca Beatriz, de sete, brincavam na porta de casa quando uma levou um tiro na cabeça e outra, no abdômen. Uma testemunha afirmou em depoimento ter visto os tiros serem disparados de dentro de uma viatura da PMRJ.
O que aconteceu com Edson, Jorge, Emilly e Rebeca não são casos isolados, muito menos localizados apenas no Rio de Janeiro. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), 74% dos homicídios no Brasil são de pessoas negras, e 79% dos mortos pela polícia também são pessoas negras.
Já a Rede de Observatórios da Segurança, no relatório “A cor da violência policial: a bala não erra o alvo”, levantou dados sobre letalidade policial em cinco estados por ela monitorados. O estudo, sobre números de 2019, confirma que, como no resto do país, na Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo, a letalidade policial é muito maior entre os negros, seja em números absolutos ou proporcionalmente.
A Bahia apresenta o maior percentual de negros mortos pela polícia e, em números absolutos, fica atrás apenas do Rio de Janeiro e São Paulo: 97% dos mortos em ações policiais são negros. Em Pernambuco, morreram 74 pessoas, e 93% eram negros.
No Ceará, 77% dos casos não têm registro de cor, e ainda assim o percentual de negros mortos é de 87% – maior que o do Rio de Janeiro, onde 86% das vítimas eram negras. Em compensação, a polícia fluminense matou 1.814 pessoas no ano passado, o maior número em 30 anos.
Em São Paulo, mesmo com a diminuição do número geral de homicídios, crescem as mortes em ações policiais e o estado chega a registrar 63% de negros entre os óbitos, enquanto a população negra representa apenas 34%.
“É a primeira vez que é feita uma investigação como esta. Com esses dados podemos mostrar que não é um viés racial, não é excesso de uso da força, não é violência policial letal acima do tolerado, é racismo. Quando analisamos a violência policial nós não conseguimos contabilizar abordagens violentas, espancamentos, humilhações do dia a dia, mas conseguimos contar os corpos empilhados nessas ações” explica Silvia Ramos, coordenadora da Rede de Observatórios da Segurança e do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania.
Os dados foram obtidos, após alguns obstáculos, com as Secretarias de Segurança estaduais via Lei de Acesso à Informação. Depois, foram checados e comparados com números sobre cor das populações de cada estado no censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A conclusão: no Brasil, a violência policial é racializada.
Ao mesmo tempo, dados do Anuário 2020 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) mostram que a maioria (65,1%) dos 172 policiais assassinados no Brasil em 2019, de folga ou em serviço, eram negros. Para o diretor-presidente da entidade, Renato Sérgio de Lima, esses números podem ser explicados por uma junção de fatores.
“Os policiais que estão morrendo são, em geral, de nível operacional (praças e sargentos) e são recrutados no mesmo segmento socioeconômico que concentra o maior número de negros. Então, os policiais e jovens que estão sendo mortos fazem parte do mesmo segmento socioeconômico e demográfico e que, em geral, mora nas periferias”, afirma ele.
Para a presidente da comissão de Igualdade Racial da OAB-SP, Maria Sylvia Aparecida de Oliveira, além da ótica de que todo negro é suspeito, eles são vistos como inimigos a serem eliminados, na “absurda lógica de guerra” da PM. “Os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública nos informam que, a cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado no Brasil, e esses números não causam comoção e não mobilizam a sociedade para acabarmos com essa barbárie, com o genocídio da população negra.”
Abordagem policial sem preconceito
No Congresso Nacional, o único senador negro do país, Paulo Paim (PT-RS), dedicou três décadas de atuação parlamentar à modificação desse quadro de normalização da violência contra populações negras. O Estatuto da Igualdade Racial, regulado pela Lei nº 12.288/10, é um dos projetos de Paim, que é presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal.
O avanço mais recente ocorreu na última quinta (10), Dia Internacional dos Direitos Humanos, quando o Senado aprovou o Projeto de Lei 5.231. A proposta de Paim veda a conduta de agente público ou profissional de segurança privada fundada em preconceito de qualquer natureza: raça, origem étnica, gênero, orientação sexual, culto.
Sugestão da Coalizão Negra por Direitos, em resposta ao assassinato de João Alberto Silveira de Freitas por seguranças de uma loja da rede Carrefour, em Porto Alegre, em novembro passado, o projeto seguiu para a Câmara dos Deputados.
“A aprovação do PL nesta data tão simbólica representa mais um avanço para a sociedade brasileira. Todos precisam ser respeitados em uma abordagem policial, seja por agentes públicos, seja por agentes privados”, afirmou Paim, destacando a importância da formação desses agentes. “O mundo todo está fazendo esse debate. O mundo todo está aprofundando essa questão. Lamentavelmente, nós temos ainda uma abordagem truculenta. Ninguém pode ser julgado ou pré-julgado pela cor da pele.”
Paim aproveitou o dia emblemático para anunciar a criação de uma Frente Parlamentar Mista com foco no antirracismo. “Já temos, ao menos, dez medidas iniciais para cumprir este propósito”, conta o senador, que no fim de novembro pediu urgência para votação de cinco projetos de autoria dele, todos com foco no antirracismo.
Leia a íntegra do estudo da Rede de Observatórios da Segurança aqui: