O Brasil vive um estado de guerra e precisa conhecer a letalidade do inimigo, aponta o neurocientista Miguel Nicolelis. Segundo o coordenador do Comitê Científico Consórcio Nordeste , professor e pesquisador da Universidade de Duke (EUA), em um cenário apocalíptico, em questão de meses, o Brasil pode registrar mais de um milhão de mortos por contágio do Covid-19. Em palestra por videoconferência, na terça-feira (7), ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado da Bahia (Sinjorba), Nicolelis expôs os possíveis cenários de contágio, falou das ações do comitê para o combate ao vírus, ressaltou a importância dos sistemas públicos de saúde e defendeu uma restruturação das relações financeiras no mundo. As declarações do professor foram reproduzidas em matéria do portal Rede Brasil Atual.
“O mundo que a gente conhecia pré-pandemia desabou”, ponderou o neurocientista. “A pandemia expôs uma série de fragilidades no modelo civilizatório que criamos enquanto espécie. Essas fragilidades foram expostas de maneira avassaladora. O mundo vai ter que reestruturar tudo, essa visão de que o dinheiro e os mercados é o que importa”, observou.
O cientista é um ferrenho defensor da manutenção da quarentena como arma para derrotar o avanço do coronavírus no Brasil, a exemplo das recomendações de autoridades internacionais. “O distanciamento social é a primeira grande forma de defesa”, afirmou. “Precisamos conhecer o inimigo, como ele vai infectar um grande número de pessoas, como os dados já mostram, quais são as fraquezas dele e como podemos nos defender”
Em sua intervenção, o pesquisador disse também que a comunidade científica considera o modelo de vários cenários para o enfrentamento da doença no país, todos com perdas de muitas vidas. “No cenário mais brando, estamos falando de dezenas de milhares de óbitos, e no cenário mais grave, apocalíptico, estamos falando de algo que pode chegar a um milhão ao longo de vários meses”, observou. Até a manhã desta quarta-feira (8), Brasil já registrava mais de 14 mil casos e 699 mortes.
Avaliando os desafios da comunidade científica mundial na produção de uma vacina eficaz contra o vírus, Nicolelis reconheceu que a solução não virá na velocidade que as nações esperam. “Daí a relevância do distanciamento social. Os dados da China mostram que a pessoa pode transmitir de forma assintomática”, disse.
Ciência, ferramenta estratégica
Nicolelis voltou a reafirmar a importância do fortalecimento da ciência na guerra contra a pandemia. Segundo ele, a ciência tem papel estratégico e tornou-se “uma das armas mais potentes contra esse inimigo invisível”. Para ele, a batalha contra a pandemia é uma “guerra híbrida multidimensional, (porque tem) várias dimensões que precisam ser atacadas em paralelo.”
Nesse sentido, destacou, o comitê do Consórcio do Nordeste é “um Estado Maior científico”. Ele falou sobre as ações do comitê de cientistas, que no momento realiza testes com tecidos para a fabricação artesanal de máscaras. A ideia é mobilizar costureiras, artesãos, microempresários, tecelagens espalhadas pelo Nordeste na produção de máscaras e equipamentos.
A cadeia de políticas públicas deve, de acordo com o cientista, ajustar medidas econômicas e sociais dirigidas a pessoas de baixa renda às decisões da comunidade científica. Ele demonstrou ainda preocupação com a aquisição de equipamentos de proteção pelo Brasil. “Vai ser muito difícil ter ajuda de outros países”, apontou. “Teremos dificuldades enormes com os Estados Unidos, e não vamos receber nada deles, (porque) estão desesperados lá dentro, e não vamos ter ajuda da Comunidade Europeia e a China, nossa grande esperança – infelizmente estamos tendo problemas políticos e diplomáticos, (o que é) totalmente errado”, ponderou.
Importância do SUS e a “volta da primavera”
Nicolelis reafirmou a importância do modelo do Sistema Único de Saúde (SUS) e defendeu a sua restruturação, com mais investimentos. “Tudo vai ter que ser reestruturado, rediscutido, e espero que a gente ponha as prioridades que estamos identificando neste momento na frente do debate do que é prioritário e do que é secundário”, disse. Segundo o professor, o funcionamento de programas fundamentais como o Mais Médicos e a Farmácia Popular fazia do SUS um patrimônio nacional. E necessitam de financiamento.
“O sistema de saúde da Inglaterra, que era um dos melhores do mundo, foi devastado pelas políticas neoliberais e cortes de verbas públicas”, relembrou. Do mesmo modo, apontou o neurocientista, os Estados Unidos, que não possuem saúde pública, “vão pagar um preço altíssimo”.
Diante do quadro de gravidade da situação, Nicolelis, no entanto, se diz esperançoso com o futuro. “A primavera vai voltar. A gente tem uma sensação de que roubaram a primavera da gente, mas a gente não pode tirar a primavera de dentro de nós”.
Da Redação, com informações da Rede Brasil Atual