Está em curso um processo de criminalização da vida. Da política a torcidas organizadas de futebol, tudo é visto pelo olhar punitivo e de presunção de culpa: são todos culpados até prova em contrário. Em alguns casos, até com prova em contrário. Agressões a pessoas que usam camisetas vermelhas ou que simpatizam com determinado partido, bomba lançada contra o escritório de um ex-presidente da República são alguns dos exemplos dessa escalada.
Integram esse quadro os linchamentos cometidos contra pobres e negros em várias capitais brasileiras; alterações legislativas de caráter punitivo e populista são aclamadas e representantes do Ministério Público gravam vídeos onde verbalizam proselitismo político e religioso fora dos autos e justificam a sua atuação funcional com base em desígnios divinos e sobrenaturais.
Evidente retrocesso para a ciência do Direito que, ao longo dos séculos, teve que superar a inquisição e o fanatismo religioso para buscar uma racionalidade através do Iluminismo e das revoluções burguesas para proteger o indivíduo da tirania de déspotas e do uso do poder punitivo desmedido.
A estratégia de criminalização da política, desenvolvida por setores obscurantistas do Poder Judiciário e do Ministério Público, foi estimulada pela luta política entre governo e oposição, mesmo que para tanto fosse preciso flertar com o que há de pior na política brasileira e romper a barreira da legalidade e dos direitos e garantias individuais, sempre de olho nos holofotes da mídia e atrás de dividendos políticos.
O debate sobre projetos de país ou sobre os rumos que uma das maiores economias do mundo deve tomar nos próximos anos e questões como o enfrentamento à desigualdade social, reforma agrária e educação de qualidade ficou em terceiro plano e hoje a tônica é quem alcaguetou quem. Triste realidade.
A corrupção se tomou pauta única de um país que conseguiu retirar 40 milhões da pobreza extrema e reduzir um pouco dos seus traços escravocratas e machistas de uma sociedade fundada sobre o manto sagrado do latifúndio.
Esse quadro é extremamente perigoso para a democracia porque reforça a descrença no exercício da política e permite a ascensão de forças obscurantistas que estavam adormecidas. Merecem repúdio veemente agressões e ataques a figuras públicas e a execração e banimento de lideranças políticas através de prisões ilegais e de linchamentos morais.
É preciso, urgentemente, colocar um freio à agenda punitiva e a espetacularização da Justiça. O instituto da colaboração premiada precisa se adequar à Constituição de 1988 e perder o caráter inquisitorial. O termo “voluntário” previsto na lei é contraditório com a circunstância de a pessoa estar presa.
O Brasil é muito maior que a mediocridade, a sanha punitiva despótica e medieval de celebridades jurídicas e o complexo de vira-latas de alguns. Na democracia, a luta é travada pelas ideias e pelo convencimento. Foi-se o tempo – espera-se -em que a força bruta e a violência eram utilizadas para impor visões de mundo.
(Artigo inicialmente publicado no jornal “O Globo”, no dia 10 de agosto de 2015)
Wadih Damous é deputado federal pelo PT-RJ