O ex-presidente americano Barack Obama esteve no Brasil, num evento fechado aos políticos nacionais. Ele não queria, provavelmente, misturar sua imagem aos envolvidos, justamente ou não, na operação Lava Jato.
Curioso que tenha diagnosticado, segundo relato do colunista Igor Gielow, na Folha de São Paulo, a distância entre os cidadãos e o poder político como o combustível que alimenta o crescimento de movimentos autoritários nos EUA.
Outro ex-presidente, Lula, tem dito isso por onde passa:
-Descontentes com a política? Engaje-se nela, aconselha sempre aos mais jovens.
Obama disse que os frutos do divórcio entre o sistema político e as pessoas também estão presentes no Brasil.
Sabemos disso, Mr. President. Enquanto muitos fingem não ver, Jair Bolsonaro é a alternativa imediata caso Lula seja cassado. E é Lula quem pode, pelo seu histórico no governo, evitar o que Obama identificou como seu maior arrependimento no poder: não ter sido capaz de aproximar pessoas em polos opostos do espectro político. “Democracia é duro”. Sim, ainda mais quando, por meio dela, concilia-se sair do Mapa da Fome com virar credor do FMI, sem pedir ano a ano para o Congresso aumentar o teto de endividamento.
Obama disse, a respeito de sua gestão, que “Fomos bem-sucedidos em evitar uma grande depressão, mas não foi tão rápido assim, e as pessoas foram para cada uma para seu canto”. Pois que aqui Lula evitou rapidamente a contaminação, com a economia chegando a crescer 7,5% em 2009, usando métodos semelhantes.
Obama disse ser impossível argumentar com quem rejeita a ciência do aquecimento global, como o republicano Donald Trump. E, exatamente no Brasil, houve êxito em reduzir o desmatamento da Amazônia e protagonismo no Acordo de Paris, não por obra dos que podem assumir o governo brasileiro caso Lula seja interditado.
A Internet no Brasil também “tribalizou a política”, com “o ódio espalhado pelas redes” contra quem fez uma gestão com vários pontos convergentes com a do presidente afro-americano, principalmente pondo em destaque a necessidade de atender aqueles que ficam para trás na globalização, pois “Em um mundo em que 1% detêm a riqueza, há instabilidade política”.
Não à toa, o Bolsa Família nacional virou exemplo recomendado pelo Banco Mundial para mitigar esta dramática realidade, tal como os grandes investimentos em seguridade social, como – e até mais estruturantes que – o Obamacare, que Trump quer desmontar (e por estas terras já está sendo posto abaixo por Michel Temer).
Se isto é “capitalismo liberal” na terra do Tio Sam, na de Zé Carioca se chama “lulismo”.
O acordo nuclear com o Irã é realmente exemplo de como a diplomacia pode suplantar o poderio bélico. E foi Lula quem plantou esta semente com Erdogan, chefe de Estado da Turquia.
E se soluções diplomáticas são preferíveis às situações como a crise envolvendo a Coréia do Norte, conforme palestrou Obama, a analogia cabe para com a da Venezuela, na qual Trump também prefere tanques e aviões, quando Lula ofertou, em seu tempo, um grupo de amigos.
Por saber das dificuldades do processo decisório no mundo, para a qual não faltam “soluções técnicas”, mas sim políticas, segundo Obama, Lula criou, no início do seu primeiro mandato, um conselho de desenvolvimento econômico e social para concertar distintos interesses e mediou as reconhecidas políticas de desenvolvimento.
A fome na África poderia ser resolvida em alguns países se os povos “não estivessem atirando um nos outros”. Uma verdade dita pelo ex-presidente Democrata. E, no Brasil, a pobreza extrema chegou próximo à erradicação por causa de políticas sociais que substituíram o tratamento aos mais pobres como caso de polícia.
Obama disse não querer “insultar” países com grandes recursos naturais e educação falha —referência clara ao Brasil (de acordo com o colunista já mencionado) e, após fazer citações futebolísticas, uma característica de Lula, disse que “não se ganha a Copa do Mundo” se “você deixar metade de seu time para trás”.
Segundo Gielow, ele se referia à falta de políticas para a inclusão educacional de mulheres e também de negros.
Houve muita resistência do status quo, mas Lula bancou diversas políticas para incluir negros e mulheres, como o Prouni ou a Lei Maria da Penha. A sucessora dele vinculou royalties do pré-sal à educação e ciência & tecnologia.
Diz-se que Obama recebera um cachê de US$ 400 mil para promover um governo – o dele – na terra do líder a quem chamou de “My man” na frente das 20 maiores economias do mundo.
Este recebia 200 mil para palestrar sobre seu sucesso à frente não do gigante do Norte, mas o do Sul.
O público – empresários e alguns atores políticos – da mesma forma, eram parecidos. Mas uma operação que gerou, por algumas distorções abusivas, o risco do Brasil cair nas mãos do autoritarismo, criminalizou aquela iniciativa.
Ao que parece, em São Paulo a plateia não deve ter gostado do que ouviu. Ou, então, certamente votará em Lula no ano que vem e, antes, fará oposição à caçada judicial em curso.
Sim, porque a palestra, cujo ingresso custou entre 5 a 7,5 mil reais (enquanto Lula fala ao povo gratuitamente em caravanas regionais), bem que poderia ter sido feita pelo líder das pesquisas para 2018.
Por fim, nada contra recrutar jovens líderes da Fundação Lehmann. Porém, com certeza, jovens sindicalistas, sem-teto, sem-terra, fariam um belíssimo trabalho sendo o objetivo uma liderança progressista internacional.
É com eles que Lula pretende unir dois slogans de sucesso recente nos Estados Unidos: sim, podemos ser grandes outra vez.
Wasny de Roure, economista, deputado distrital e líder no PT na Câmara Legislativa do DF