Na manhã desta terça-feira, os deputados da Argentina aprovaram a reforma da previdência por 128 votos a favor e 116 contrários. Para obter maioria o presidente Mauricio Macri contou inclusive com votos de peronistas, cujo Partido Justicialista não possui um claro direcionamento político, congregando desde setores de esquerda a setores de direita dentro do mesmo movimento.
Esta aprovação ocorreu mesmo sob forte resistência dos sindicatos e da classe trabalhadora argentina, que promoveram manifestações massivas nos últimos dias e uma greve geral. A brutal repressão policial resultou em pelo menos 162 feridos, entre manifestantes e policiais.
Nos últimos dias vimos no Brasil uma falsa polêmica a respeito disto. Segundo a Revista Fórum e outros veículos, supostamente um dos gritos que estaria sendo dito pelos argentinos ao afirmarem que barrariam a reforma seria “isso aqui não é o Brasil” (leia aqui). A informação é questionada por muitos militantes que estiveram presentes aos atos. O fato é que, sendo verdadeira ou não, a informação se espalhou rapidamente pelas redes sociais brasileiras.
A repercussão não poderia ter sido pior. Boa parte da esquerda brasileira se lançou em uma catarse de autoflagelação cuja mensagem equivocada era que os argentinos sim sabem resistir, enquanto o povo brasileiro, como sempre, estaria passivo e inerte.
Esta visão depreciativa do povo brasileiro nada mais é do que o velho complexo de vira-latas, que sempre serviu às elites nacionais que se identificam muito mais com tudo o que não é brasileiro. Tentam apagar nossas lutas ao longo dos séculos, apresentam nossas vitórias como meras benesses gentilmente cedidas pelos governos ao mesmo tempo em que difamam as nossas mobilizações e organizações.
O objetivo é claro: oprimir subjetivamente a mentalidade popular, para que o brasileiro acredite que é realmente um povo inferior, incapaz de lutar, de se organizar, de se construir enquanto alternativa de poder e de sociedade. Atacam nossa cultura, nossa estética, nossas origens e nossa história. Melhor seria termos nascido em qualquer outro lugar, mas infelizmente fomos amaldiçoados ao nascer nestes tristes trópicos não é mesmo?
A esta mensagem devemos dar um sonoro NÃO! Lute como um argentino e lute como um brasileiro, como um uruguaio, como um boliviano, como um venezuelano e como um cubano! Lembremos de Palmares e da Greve Geral de 1917. Saudemos a história de Tupac Amaru, Zumbi, José de San Martín, Simón Bolívar, Che Guevara e Olga Benário. Com cada um dos nossos momentos e das nossas lideranças temos muito que aprender.
Neste ano também lutamos muito no Brasil. Iniciamos o ano com uma greve nacional da educação em março, fizemos a maior greve geral da história do Brasil em 28 de abril e uma grande marcha a Brasília em 24 de maio.
Saudemos a resistência argentina, nossos hermanos podem ter perdido esta batalha, assim como perdemos muitas por aqui também, mas tanto lá quanto cá a guerra continua. Este não é o primeiro e tampouco será o último capítulo da nossa luta.
A aprovação da reforma da previdência na Argentina é motivo de tristeza e preocupação para todos os povos do continente. Certamente o governo Temer, apoiado pela mídia, utilizará esta mudança para tentar dar novo fôlego à reforma da previdência do Brasil que até agora conseguimos impedir.
O capitalismo é global. A onda conservadora é mundial. As elites tem avançado sobre nossos direitos aumentando cada dia a exploração e opressão. Precisamos articular a resistência dos povos de todo o mundo também em nível global: ampliar o diálogo, aprender e fortalecer uns aos outros e valorizar o princípio do internacionalismo. Não venceremos se estivermos isolados. Nada mais atual que a mensagem do Manifesto Comunista:
Trabalhadores do mundo: uni-vos!
Yuri Soares é professor de História, diretor do Sinpro DF e secretário de Políticas Sociais da CUT Brasília