O uso e abuso da luta contra a corrupção na disputa política pelo poder tem sido uma constante em nossa história.
Todos dirão que Getúlio foi levado ao suicídio por causa do atentado contra Carlos Lacerda, que resultou na morte do major Vaz, da Aeronáutica, que fazia sua segurança. Na verdade, a decisão extrema do presidente foi motivada pela campanha anticorrupção – o mar de lama que envolvia o Palácio do Catete – que envenenou e degradou o ambiente político e levou à crise e à exigência dos militares pela renúncia de Getúlio.
O combate à corrupção também foi o tom da sucessão de JK. Quem não se lembra da famosa vassourinha de Jânio Quadros e sua falsa campanha de moralização e combate à corrupção? E nada mudou com sua renúncia e anos do governo João Goulart: livrar o Brasil da corrupção e do comunismo foi o mote dos militares para dar o golpe em 64.
E não parou por aí: Juscelino Kubitschek, que tinha mais de 40% de intenção de votos para a eleição 65 (eleição que nunca saiu do papel), virou alvo de uma feroz campanha que o acusava de ser o dono de um triplex em Ipanema. O imóvel seria a prova de sua corrupção.
Em resumo, todos os presidentes que fizeram governos genuinamente nacionalistas e com medidas pró-trabalhadores foram atacados por campanhas anticorrupção.
Fato é que nunca houve tanta corrupção como nos anos de ditadura militar e ninguém podia denunciar. A imprensa foi calada e o Judiciário, que sequer podia investigar, ficava longe de mover denúncias, processos e condenações.
Na eleição de 89, com o país devastado pela crise econômica e a hiperinflação, o discurso do combate à corrupção ajudou a levar Fernando Collor à vitória. Com o tempo, o caçador de marajás se mostrou um engodo por completo.
Agora, temos a Lava Jato, operação que serviu de instrumento para o golpe parlamentar judicial que derrubou Dilma e levou à prisão de Lula após condenação mais que ilegal. Não restam dúvidas de que Moro e Dallagnol conspiravam à sombra e contra a lei e a Constituição, sob o olhar complacente do STF e, com raras exceções, com o apoio total da mídia.
A luta contra a corrupção, mais do que necessária, só foi possível graças aos governos Lula e Dilma, que reestruturaram o MPF e a PF, fortaleceram o Coaf e a Receita Federal, deram à CGU condições de fiscalização e aprovaram, no Congresso Nacional, todo o arcabouço legal que a viabilizou, apesar dos abusos e uso político.
Há uma dupla moral e um uso descarado da luta contra a corrupção para atingir adversários e, o mais grave, para derrubar governos populares e de esquerda, não apenas no Brasil. Aqui, como vemos, há exemplos claros e provados do uso generalizado dos dois pesos e duas medidas e também da seletividade na hora de investigar a corrupção, poupando sempre os bancos e a mídia – só para dar dois exemplos gritantes.
Por que nunca se foi à fundo na relação de grupos de comunicação com os casos de corrupção na Fifa e no futebol em geral? E os bilhões de reais que circulam sem passar pelo sistema bancário? Isso sem falar nas privatizações do sistema de teles no governo tucano ou a compra de votos para a reeleição de Fernando Henrique.
A hipocrisia dos dois pesos e duas medidas não tem limites. Sem nenhum pudor, o NOVO, partido que se diz vanguarda da luta contra a corrupção, foi contra a decisão do STF que criminalizou a sonegação fiscal de ICMS. Que moral é essa? Que vanguarda é essa? Outro exemplo é o caso da juíza Selma, conhecida como a Moro de saia. Eleita senadora pelo PSL de Bolsonaro, foi cassada pelo TSE uso de caixa dois.
O caixa dois, a propósito, é outro bom exemplo de como a interpretação pode mudar de acordo com os interesses envolvidos. Para Sérgio Moro, caixa dois é crime, mas deixou de ser quando Onyx Lorenzoni, seu colega de Esplanada dos Ministérios, assumiu que recebeu dinheiro da Odebrecht. Não podia, mas agora pode?
A bandeira da corrupção e a militância político-partidária também já levaram outros nomes, além de Sergio Moro, da estrutura do Judiciário para a arena política. E são exemplos que vão de mal a pior, como Demóstenes Torres e Pedro Taques. Ostentar tal bandeira mexe com egos e projeta a construção de heróis nacionais, personagens que trazem, infelizmente, mais danos do que benefícios para a democracia.
É o que a história nos ensina há muito tempo.
*Coluna originalmente publicada no jornal Metrópoles