Numa das cenas mais emblemáticas de Democracia em Vertigem, o elogiado documentário de Petra Costa, é Lula quem consola aliados e militantes horas antes de ser levado ao cárcere político naquela longa noite de 7 de abril de 2018: “Eu tinha consciência de que o golpe não terminaria enquanto eles não me prendessem. O impeachment da Dilma foi apenas o pretexto para chegar até mim”.
O prognóstico do ex-presidente, confirmado há exatos 500 dias, hoje parece ser também o retrato mais fiel de um país que negligenciou a sua própria democracia para levar ao extremo um novo projeto de poder: submisso aos interesses do mercado, do capital estrangeiro, sem participação popular e cujo discurso raivoso e repleto de mentiras tem em Jair Bolsonaro seu mais aplicado representante.
Mas este projeto, basta olhar para as ruas, deu errado. Muito errado. O Brasil de hoje é o oposto daquele iniciado por Lula uma década e meia atrás e não é de se espantar que o povo tenha conclamado com ainda mais força o nome daquele que o melhor representou no cargo mais alto da República.
A missão iniciada por Lula lá em 2003 não terminou. Mas agora, mais do que nunca, sua missão é ainda maior diante do que significou (e ainda significa) a sua condenação. Se de um lado historiadores e cientistas políticos tentam compreender o que o futuro reserva para a democracia nacional, de outro, é incontestável que, sem Lula nas ruas, o Brasil vive no presente crise sem precedentes em todos os setores.
A falta de perspectivas e com direitos retirados a toque de caixa, ganha cada vez mais adeptos a ideia de que não é Lula quem está preso há 500 dias. É o Brasil. É o povo brasileiro.
Prisão política é a consolidação do golpe
Um dia antes de Lula ser levado de São Bernardo do Campo para Curitiba, o mundo todo já estava de olho nos desdobramentos políticos do país. Se o golpe contra Dilma Rousseff em 2016 já havia ligado o sinal de alerta sobre um projeto de poder com viés antidemocrático, a prisão política de Lula acabaria por enterrar de vez qualquer tese de que o país vivia normalidade institucional.
O próprio termo “prisão política”, incontestável para qualquer um que analise o processo claramente arbitrário de Sérgio Moro, hoje ministro do então candidato que ajudou a eleger, é a síntese do que acontece no Brasil. O líder da coordenação Nacional do MST, João Pedro Stedile, acompanhou de perto todo o processo e, dois dias antes de o ex-presidente se tornar preso político, foi direto ao ponto:“Querem prendê-lo para tirá-lo da campanha eleitoral. Por isso é um golpe. Um golpe do poder judiciário contra o povo brasileiro”.
Stédile também anteveu o que ocorreria a partir daquela farsa judicial – mais desemprego, mais desigualdade, retirada sistemática de direitos. Em contrapartida, os quatro maiores bancos do país (todos eles financiadores declarados deste projeto de poder em vigor desde 2016) lucraram, juntos, R$ 69 bilhões em 2018, segundo a Economatica.
Dá para imaginar tal cenário caso a vontade do povo prevalecesse e Lula fosse confirmado como presidente da República? Nem o mais céticos dos analistas apostaria nisso. Estivesse hoje no lugar que lhe era de direito segundo todas as pesquisas o insano projeto iniciado dois anos antes seria prontamente encerrado. Não era esse o desejo dos agentes do golpe. Não era esse o Brasil que a elite conservadora do país queria. Assim, o drama de milhões de brasileiros segue cada dia mais agudo.
ONU é enfática: Brasil vive crise humanitária
A confirmação do fantoche da extrema-direita no cargo mais alto de República chocou o mundo tamanha a celeridade com a qual passou a colocar em prática sua agenda de retrocessos. Tanto que bastaram 17 dias de governo para que a ONG Human Rights Watch emitisse parecer sobre a crescente onda de ataques aos direitos humanos do país.
O documento aponta problemas em pelo menos 13 tópicos, sendo os mais críticos a violência, a liberdade de expressão, e o direito das mulheres, dos refugiados e da comunidade LGBT. Segundo a entidade, o problema se agravou na reta final de 2018 e, dada a postura de Jair Bolsonaro, poderia ser ainda pior neste ano.
Com Lula preso e ainda sob o comando do golpista Michel Temer, o país deixou de ser referência após quase uma década e meia de políticas de inclusão, fortalecimento de direitos e combate à desigualdade. Não é coincidência. É consequência.
A maior crise judicial da história
Antes mesmo de a condenação de Lula ser levada adiante por “ato de ofício indeterminado” – malabarismo jurídico amplamente contestado – entidades, organizações e juristas de várias nacionalidades já reagiam à farsa arquitetada por Moro.
Considerada por muitos como a pá de cal no túmulo do atual judiciário brasileiro, a sentença dada ao ex-presidente no chamado caso tríplex certamente será estudada pelos futuros bacharéis em direito como o exemplo a NÃO ser seguido. Repleto de incongruências, erros e aberrações, o processo acabou por motivar um verdadeiro levante mundial em defesa do ex-presidente.
Já passa da casa dos milhares o número de juristas que pedem a libertação imediata de Lula. Com a revelação de que tudo foi minuciosamente planejado por Moro em conluio com procuradores do Ministério Público Federal, o judiciário brasileiro oficialmente entrou num caminho sem volta.
Hoje, 500 dias após a prisão política de Lula, é o ex-juiz e seus súditos que devem explicações ao povo brasileiro. Enquanto isso não ocorre, os verdadeiros vilões dessa trama sem fim padecem sob a desconfiança cada vez maior da categoria.
Brasil, um país sem direito a futuro
É possível traçar uma linha do tempo que associe a prisão política de Lula aos retrocessos impostos a toque de caixa pela dupla Temer/Bolsonaro? A resposta, afirmativa, todos os dias pulula ininterrupta no noticiário político do país. Em 500 dias desde aquele triste 7 de abril de 2018 não foram poucos os recuos levados adiante na saúde, na educação, no combate à pobreza e ao desemprego, na soberania nacional e nos direitos assegurados ao trabalhador.
Se com Temer o terreno já havia sido preparado com a reforma trabalhista, a entrega do pré-sal e o bloqueio de investimentos por 20 anos na saúde e na educação (a absurda PEC do Teto de Gastos), com Bolsonaro a situação é ainda mais alarmante.
Com 13 milhões de desempregados e expectativa de alta para o Produto Interno Bruto (PIB) de menos de 1%, o discípulo do projeto golpista até agora só ganhou os noticiários pelas declarações racistas, homofóbicas, desinformadas e, não raro, criminosas.
Quando apresentou projetos, ganhou mais inimigos. Como é o caso do Future-se, que pretende entregar as universidades federais aos interesses do mercado; a privatização de empresas públicas superavitárias; o enfraquecimento de órgãos de proteção aos índios, aos negros e às minorias; os acordos unilaterais que atendem apenas aos EUA; o desastroso projeto ambiental que ainda reverbera de maneira irreversível no mundo.
A lista é interminável, mas os estragos estão longe de passar impunes. O levante da educação pública não deixa dúvidas. A resistência da Vigília Lula Livre, os atos em defesa da saúde, da educação, do meio ambiente mantêm as esperanças mais vivas do que nunca.
Enquanto Bolsonaro permanece indiferente aos anseios da população, mais e mais brasileiros e brasileiras pedem a libertação imediata de um dos seus. Nas ruas de São Paulo e de Paris, nos fundões do Nordeste e nos salões nobres das universidades, no operário ao jurista de renome internacional, está claro que Lula Livre nunca foi apenas um cartaz incendiário ou slogam.
Lula Livre é uma ideia que não se pode prender. Lula Livre é um caminho que não se pode alterar.
Por Henrique Nunes da Redação da Agência PT de Notícias