A retomada do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), uma das principais ferramentas dos governos do PT para erradicar a fome no país, foi o tema, nesta segunda-feira (17), do podcast O Assunto, da jornalista Natuza Nery, que recebeu o agroecologista e professor Julian Perez-Cassarino. Ao defender a união das instituições em torno do combate à insegurança alimentar, ele citou, inclusive, o Banco Central, com a seguinte constatação: “A elevação dos juros gera a fome”.
“A colaboração do Banco Central (BC) é fundamental para isso [combate à fome]. A elevação de juros gera a fome. É importante entender isso. Provoca a fome. Precisamos fazer um mutirão em torno desse tema, nos três Poderes e nos setores econômicos desse país”, disse Julian, professor de agroecologia da Universidade Federal da Fronteira Sul e pesquisador da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Penssan).
Julian é mais um a reforçar que a insistência do BC, presidido pelo bolsonarista Roberto Campos Neto, em manter a taxa básica de juros (Selic) no patamar extorsivo de 13,75% ao ano, o maior do mundo, é um entrave ao desenvolvimento do país e à garantia do direito humano à alimentação adequada, previsto na Constituição. “Além do físico, [a fome] degrada a alma humana. É o que atinge, de forma mais direta, a autoestima de qualquer pessoa, você não poder garantir a alimentação para os seus filhos e suas filhas”, afirmou o pesquisador.
Ao falar sobre os efeitos nocivos dos juros altos à segurança alimentar dos brasileiros, Julian enfatizou que cabe ao Poder Judiciário exigir o cumprimento da Constituição.
“Uma das batalhas que a gente conquistou com o Conselho de Segurança Alimentar (Consea) e vários movimentos sociais foi que, em 2010, e tão somente em 2010, o direito humano a uma alimentação adequada entrou como direito fundamental na Constituição brasileira. É muito recente e deixa um papel do Judiciário a ser cumprido aí”, disse. “Ou seja, hoje, o Estado brasileiro é obrigado a garantir o direito humano à alimentação adequada a todas as brasileiras e brasileiros”.
O professor destacou o papel fundamental do PAA para a saída do Brasil do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2014, e os retrocessos nos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro. O país retornou ao mapa em 2022.
No último dia 12, foi divulgado o relatório “O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo (SOFI)”, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). O documento mostra uma piora dos indicadores de fome e insegurança alimentar no Brasil. Segundo a FAO, 70,3 milhões de pessoas estavam, em 2022, em estado de insegurança alimentar moderada, que é quando têm dificuldade para se alimentar. O levantamento também aponta que 21,1 milhões de pessoas no país estavam, no ano passado, em insegurança alimentar grave, caracterizado por estado de fome.
Julian está otimista com as ações já adotadas pelo governo do presidente Lula no enfrentamento à fome, entre as quais a retomada do PAA. O projeto foi aprovado no Congresso, com recursos de R$ 500 milhões para a compra de alimentos de propriedades rurais familiares. Por meio de outra iniciativa importante, o Plano Safra da Agricultura Familiar, elas também passaram a ter acesso a crédito de R$ 71 bilhões.
Durante a conversa, Julian destacou a importância do PAA nas “duas pontas da fome”: distribui comida para famílias em situação de insegurança alimentar e viabiliza a comercialização da agricultura familiar. “Ao mesmo tempo que oferta alimentos saudáveis para pessoas na cidade, garante geração de renda para famílias rurais”, frisou o pesquisador.
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Ele lembrou os primeiros dez anos do programa, durante os quais o volume de recursos cresceu ininterruptamente até chegar, em 2013, ao equivalente a R$ 1 bilhão (valores corrigidos). No ano seguinte, 2014, o Brasil saiu do Mapa da Fome. “Nos últimos cinco anos, o programa está praticamente zerado”, lamentou Julian.
O professor avalia que, agora, será mais difícil superar a fome do que em 2003, quando o PAA foi inaugurado: “Houve um grande desmonte das políticas públicas nos últimos quatro anos”.
Da Redação