Uma das áreas em que a fábrica de mentiras mais concentra seus esforços é nos temas relacionados à educação. É um campo estratégico para mobilizar as pessoas: não há quem não se preocupe com a qualidade da educação e com o futuro das crianças.
É também um terreno fértil para abordar diversos assuntos da guerra cultural que o bolsonarismo trava, como comunismo, uso de drogas, questões de gênero e sexualidade.
As notícias falsas que envolvem esses tópicos tocam fundo em crenças das pessoas e chocam e enfurecem quem as lê. A receita está pronta: a desinformação reforça aquilo que o leitor já acreditava e o provoca a compartilhar ainda mais.
Assim, ao longo dos anos, uma série de absurdos foi sendo dita, mentiras sem pé nem cabeça, sem qualquer vestígio de realidade. O próprio Jair Bolsonaro, o ex-Ministro da Educação Abraham Weintraub e a Ministra de Mulheres, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, são alguns dos que espalham essas informações falsas em diversas declarações.
Algumas delas resultaram em cortes na Educação e em projetos de lei baseados em desinformação.
BALBÚRDIA – A ideia de que universidades são lugares de “balbúrdia”, manifestada inclusive por Weintraub em entrevista, ganha força com uma série de notícias falsas, a partir de fotos descontextualizadas. Uma das fotos apontadas como balbúrdia era de uma performance sobre o holocausto nazista realizada por atores convidados, na Universidade Estadual de Londrina, como checou o UOL Confere.
Logo depois da entrevista de Weintraub, a rede foi inundada por fotos velhas e descontextualizadas, como mostrou o Monitor do WhatsApp à Agência Lupa. Mais uns dias se passaram e Bolsonaro decretou corte de cerca de 30% no orçamento das universidades federais.
Por fim, notícia falsa do Jornal da Cidade Online mentia ao dizer que os cortes se deviam a irregularidades na gestão das instituições.
IDEOLOGIA DE GÊNERO – Especialmente desde 2009 no Brasil, vem se construindo a ideia de “ideologia de gênero”. Ela é usada por setores da sociedade para se opor a discussão sobre a questão de gênero e sexualidade nas escolas, que busca garantir o respeito à livre orientação sexual e identidade de gênero.
A Ministra Damares Alves está entre aqueles que propagam desinformação com relação a isso, como verificou a agência Aos Fatos. Damares mente ao dizer que há no Brasil 70 identidades de gênero que devem ser ensinadas nas escolas para crianças a partir de 3 anos. Como checou a Aos Fatos, o Plano Nacional de Educação não prevê o ensino de identidade de gênero.
Além disso, ela distorce conceitos como “desconstruir a heteronormatividade”, presente no III Plano Nacional dos Direitos Humanos, falando erradamente que se trata de dizer que ser heterossexual não é normal.
KIT GAY – Ficou famosa nas eleições de 2018 a mentira de que Fernando Haddad teria tentado implementar um suposto “kit gay” para crianças de 6 anos. Bolsonaro foi ao Jornal Nacional espalhar essa fake news. Vários sites desmentiram e o TSE determinou a retirada da desinformação do ar.
Nunca houve kit gay. O material assim chamado era parte do programa Brasil sem Homofobia, voltado para gestores e educadores e elaborado por profissionais de educação, gestores e representantes da sociedade civil.
Já o livro “Aparelho Sexual e Cia – Um guia inusitado para crianças descoladas”, também envolvido na fake news, jamais fez parte do material.
MACONHA – Em entrevista ao Jornal da Cidade Online, nas redes sociais e mesmo na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, Weintraub disse que há “extensivas plantações de maconha” e “laboratórios de drogas” nas universidades. Jamais apresentou provas, disse que pegou as informações do Google.
Circularam em 2019 notícias de 2017 de que plantações de maconha haviam sido encontradas na Universidade de Brasília (UnB) e na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). As investigações mostraram que as plantas de maconha encontradas em Brasília não ficavam em terreno da UnB e que os alunos foram inocentados pois não tiveram participação comprovada no crime.
Da mesma forma, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais concluiu que os condenados não tinham vínculo com a UFMG, nem a universidade tinha participação nisso. Outra notícia falsa afirmava que a Universidade Federal da Bahia estaria construindo estufas para cultivo de maconha e da planta base para a cocaína.
ORGIA – Os boatos de que universidades seriam espaços de orgia também são recorrentes. O vice-líder do governo na Câmara, deputado federal Carlos Jordy (PSL/RJ), afirmou que as instituições se tornaram “festas de orgias”.
O site e-farsas já desmentiu que alunos da Universidade Estadual de Londrina têm aulas nus. Outra mentira associou o ex-presidente Lula a uma tese de doutorado sobre orgias gays e foi desmentida.
PAULO FREIRE – O educador Paulo Freire, terceiro pensador mais citado em trabalhos acadêmicos no mundo, é uma das vítimas dos ataques mentirosos. Bolsonaro o chamou de energúmeno.
Tanto o presidente quanto Wientraub associam a obra de Paulo Freire à má qualidade da educação no Brasil e a uma suposta doutrinação marxista nas escolas, como relata o UOL.
Na verdade, o biógrafo do educador conta que Freire “nunca, em nenhum momento dos seus escritos e da sua prática, advogou a ideia de ser favorável à doutrinação política e ou partidária dos alunos.
Ao contrário, sempre defendeu o respeito e o diálogo entre a diversidade de opiniões”. Além disso, ele “foi crítico dos regimes socialistas que haviam desistido da liberdade e da democracia”, conta o biógrafo, Sérgio Haddad.
VITTAR – Pabllo Vittar é presença constante em notícias falsas. Uma delas, por exemplo, afirma que ela foi homenageada pelo MEC no Dia Internacional da Mulher. A história surgiu como uma sátira em um site de humor e depois foi vendida como verdadeira.
Outra mentira dizia que Pabllo Vittar e o ex-deputado federal Jean Wyllys fariam uma turnê LGBT pelas escolas do Brasil, o que também foi desmentido pelo Boatos.org