As propostas apresentadas pelo golpista Michel Temer para enfrentar a violência contra a mulher são insuficientes e não vão resultar no efetivo combate a esse tipo de violência. Esta é a avaliação de especialistas e militantes do movimento de mulheres, como Jacira Melo, do Instituto Patrícia Galvão, e Ana Paula Portella, socióloga, professora e pesquisadora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Segundo Portella, as medidas anunciadas focam muito na questão da segurança pública e “atingem muito pouco a violência que é sofrida pelas mulheres”. Sem negar a importância das ações de repressão, a pesquisadora e feminista histórica enfatiza que elas não podem ser tomadas “como uma panaceia para enfrentar a violência contra as mulheres como um todo”.
“Há diferentes tipos de violência e para cada um são necessárias ações diferentes. A violência doméstica, por exemplo, vai ser muito pouco atingida com uma ação de repressão policial, porque ela tem uma outra dinâmica. Ela vai precisar de serviços de atenção à vítima, conscientização, campanhas, presenças nas comunidades, de outros serviços, não da polícia”, exemplifica.
A desigualdade de gênero é vista pelo governo interino como algo menor e nem no campo da segurança pública as propostas dos golpistas avançaram, na avaliação da diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão. Para ela, não se falou em mudar a abordagem às vítimas e que um dos principais entreves no campo da segurança pública é a questão da falta de compreensão da violência contra as mulheres e do estupro como um crime hediondo.
“O que aconteceu com o delegado no Rio de Janeiro em relação à vítima do estupro coletiva é o que acontece cotidianamente com as mulheres que chegam até a segurança pública, elas são desrespeitadas. O estupro e a própria violência contra a mulher são vistos como uma coisa menor, que tem que ser resolvido no nível individual, e acima de tudo as perguntas que o delegado fez são as perguntas que as mulheres ouvem de norte a sul, de leste a oeste nesse País. São perguntas de culpabilização das vítimas, como se a vítima fosse a responsável número um a impedir que ocorram crimes de violência sexual. Nem para isso serviu a reunião que o governo interino fez”, afirma.
As duas são unânimes ao afirmar que a violência contra a mulher se combate com um conjunto de políticas integradas, que já vinha sendo implantadas nos governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da presidenta eleita Dilma Rousseff, mas que o governo interino decidiu simplesmente ignorar.
“O mais grave que eu vejo dessas medidas, em primeiro lugar, é ignorarem tudo que já vinha sendo feito nos últimos anos. Existe um Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, existem planos estaduais, planos municipais, existe uma rede de enfrentamento à violência contra as mulheres”, frisou a doutora em Sociologia pela UFPE.
Já para Jacira Melo, “o governo interino não conhece e não reconhece as políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres pensadas e amplamente implementadas nos últimos 13 anos. Se o governo interino tivesse compromisso com o enfrentamento à violência contra a mulher, esse seria o ponto de partida”.
Militante do movimento de mulheres há 40 anos, ela lembra que o programa Mulher Viver Sem Violência foi lançado pela presidenta Dilma em março de 2013, “que me parece que é o caminho mais adequado”.
O programa tem o objetivo de integrar e ampliar os serviços existentes voltados às mulheres em situação de violência. “Ele foi feito, pensado e está muito bem desenhado para articulação dos atendimentos, no campo da saúde, da justiça, da segurança pública e da rede social e de assistência psicológica”, aponta. Ações isoladas, afirma Melo, já provaram que funcionam muito pouco.
Na opinião da pesquisadora da UFPE, as ações do governo Dilma nesta área tiveram “um belíssimo início”.
“Eu acho que é proposta muito boa, construída com os movimentos de mulheres ao longo de várias Conferências municipais, estaduais e nacional de políticas para as mulheres”, destacou Portella. Ela pondera que as políticas não estavam inteiramente implementadas, mas destacou que “qualquer novo governo teria que iniciar a partir disso que já existe. O reconhecimento do esforço anterior e qualificar a partir daí. Ele simplesmente ignorou”.
“Por isso que eu falo muito: por favor, não venham como soluções mágicas. O Brasil tem 13 anos de políticas públicas muito consolidadas, muito bem pensadas com o movimento de mulheres, não só sugerindo, mas fazendo o controle social. Esse conjunto de políticas, com mais recursos, com mais profissionais equipados e com uma rede de atenção mais ampla pode fazer as diferença nesse País”, completa a diretora do Instituto Patrícia Galvão.
Para Portella, que também é pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Criminalidade, Violência e Políticas Públicas de Segurança (NEPS/UFPE), todas essas políticas feitas nos governos Lula e Dilma estão ameaçadas. “Eu não vi ainda nenhum sinal de continuidade do que vinha sendo feito antes. Ainda não vi, por exemplo, um compromisso público desse governo de dizer que vai dar continuidade às políticas nessa área”.
O silêncio do governo golpista em relação à violência contra as mulheres “impacta na cultura da violência contra as mulheres, na cultura do estupro”, enfatiza Jacira.
“O estupro é um crime alimentado pelo silêncio. Então quando você tem um governo que não fala sobre esse tema, não vem a público, não faz uma fala para a população como um todo, dizendo que é inadmissível que cada mulher nesse País seja uma vítima em potencial, eu diria que o silêncio desse governo interino sobre as questões das mulheres contribui para alimentar a cultura do estupro”, acrescenta.
As declarações polêmicas da nova secretária de Políticas para as Mulheres do governo golpista foram lembradas por Ana Paula Portella.
“Considerando a nova secretária que expressa publicamente sua fé religiosa e que associa isso à retirada de direitos das mulheres, eu acho que nós temos um risco muito grande aí. Eu acho que não dá para confiar que essas políticas serão mantidas e como parte importante das políticas municipais e estaduais dependem do apoio e do envio de recursos financeiros do governo federal, a gente tem uma ameaça em cascata. E veja que isso não é um risco só nas áreas de violência, não. É um risco para todas as outras linhas da Secretaria de Políticas para as Mulheres”, lamenta Portella.
Por Luana Spinillo, da Agência PT de Notícias