Enquanto os Estados Unidos mantêm o Brasil no cabresto, com o presidente Jair Bolsonaro submisso à Casa Branca e fazendo todas as vontades de Donald Trump, sem se importar se essas atendem aos interesses nacionais, o maior parceiro comercial do país está buscando oportunidades de negócios em novas frentes. Os sinais emitidos pela China nas últimas semanas são desastrosos para o agronegócio brasileiro.
Pequim anunciou na semana passada que passará a comprar soja da Tanzânia, além de elevar a importação do mesmo produto da Argentina, enquanto lançou desconfiança sobre a carne suína brasileira – contaminada por Covid-19. Ao mesmo tempo, o Partido Comunista Chinês estabeleceu uma parceria cada vez mais sólida com a Rússia, o que pareceria improvável há pouco mais de 10 anos. Os chineses fazem de tudo para depender cada vez menos de um único país fornecedor de matéria-prima.
Curioso que o Planalto faça o movimento de aderir a qualquer agenda de Washington para agradar Trump – inclusive banir a empresa chinesa Huawei da concorrência pelo 5G em 2021 –, mesmo que tais esforços não tenham resultado em nenhum dividendos para o Brasil. Entre janeiro e setembro de 2020, por exemplo, as exportações brasileiras para a China somaram nada menos que 68% de todo o superávit comercial do país.
Este ano, o superávit do Brasil com a China chegou até setembro a US$ 28,8 bilhões. Enquanto isso, o comércio bilateral entre Brasil e Estados Unidos no mesmo período registrou a pior queda dos últimos 11 anos. A tendência é que o Brasil registre em 2020 o maior déficit comercial com os EUA dos últimos seis anos. Até agora, o prejuízo acumulado pela balança comercial brasileira é de US$ 3,1 bilhões. Estamos comprando mais e vendendo menos.
Ou seja, Brasília faz de tudo para agradar Washington, que vem definindo sua política internacional sempre com Bolsonaro colocando o Brasil de joelhos, mas não deu até agora ao líder da extrema-direita nacional nenhum motivo para comemorar. “É uma vergonha”, critica a presidenta nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR). “Deixamos de ter uma atuação estratégica com parceiros tradicionais do BRICS – além do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – para nos tornarmos um vira-latas que sofre na ponta a política de porrete dos Estados Unidos”.
A líder petista tem razão. A submissão do Brasil a Washington nãp tem sido benéfica ao país. Tanto que, no acumulado de 2020, as exportações brasileiras para os EUA caíram 31,5% em comparação com o mesmo período de 2019, chegando ao total de US$ 15,2 bilhões. É o menor valor desde 2010. Em termos relativos, os EUA foram os mais afetados entre os 10 principais destinos de exportação do Brasil em 2020. Por isso, é curioso que o agronegócio brasileiro aceite a condução dada pelo Palácio do Planalto à política comercial brasileira.
A expectativa é que Bolsonaro vai fechar as portas para os produtos verde-amarelos no mercado estrangeiro – isso para não falar nos problemas que o país enfrenta na Europa, arredia à política ambiental suicida conduzida por Ricardo Salles e Bolsonaro. Diversas marcas e produtos nacionais estão sendo alvo de campanhas e boicotes na União Europeia por conta da relação direta do desmatamento e queimadas na Amazônia.
China: Novas parcerias, novos negócios
Enquanto isso, a boiada e os negócios vão passando longe das porteiras de empresários brasileiros. A começar pelo namoro de Pequim com outros mercados. Uma opção desenhada para a compra de soja foi definida ainda em 2014, quando a beligerante política de Trump passou a abrir a possibilidade de negócios do gigante asiático com a Rússia.
O estreitamento da relação comercial entre Pequim e Moscou começou há alguns anos, mas tornou-se mais efetiva agora. Em agosto, a China propôs à Rússia a criação de uma “aliança da indústria da soja”, conforme aponta o jornal South China Morning Post. O ministro do Comércio chinês, Zhong Shan, pediu uma cooperação próxima com Moscou em todas as áreas da cadeia de abastecimento da soja em videoconferência com o Ministro do Desenvolvimento Econômico da Rússia, Maksim Reshetnikov.
A China é o maior consumidor de soja do mundo e depende de importações de países individuais. Por ano, a demanda é de 103 milhões de toneladas por ano – e apenas 15 milhões são produzidas no próprio país. O resto é importado. Pequim importou do Brasil 54,4 milhões de toneladas de soja do Brasil entre janeiro e agosto deste ano. É quase a metade da demanda chinesa.
Daí porque Pequim passou a apostar na diversificação de fornecedores para evitar um risco para a segurança alimentar do país. A China anunciou ainda que pretende aumentar a produção doméstica de soja. É essa estratégia que pode resultar em perda de mercado para o Brasil, atualmente o principal fornecedor de soja para aquele país.
Daí que a Rússia pretende aumentar o volume de suprimentos de soja para a China para 3,7 milhões de toneladas até 2024. Atualmente, os russos respondem por apenas 1% das importações chinesas. Parece pouco, mas as exportações agrícolas russas cresceram, especialmente de soja. A venda do ‘feijão chinês’ produzido na Rússia aumentou mais de 10 vezes em quatro anos, chegando a quase 1 milhão de toneladas.
Com a Rússia, um acordo sólido e promissor
No caso da Rússia, a aposta comercial da China interessa aos governos dos dois países. O crescimento do comércio entre as duas nações é sustentado pelos esforços pessoais do presidente chinês Xi Jinping e do seu colega russo Vladimir Putin, que cultivaram uma parceria com o objetivo de desafiar Washington de forma diplomática com efeitos econômicos.
Pior para o Brasil, que segue Trump a qualquer custo sem perceber que a cegueira ideológica de Bolsonaro está atrapalhando a agricultura brasileira. Enquanto isso, China continua à procura de parceiros, ampliando sua lista de fornecedores. Em setembro, o país abriu o mercado de farelo de soja para a Argentina em acordo considerado “histórico”. Ponto para o governo de Alberto Fernández. Um golpe no agronegócio brasileiro e na bancada rural, que apoia Bolsonaro de maneira cega, sem perceber que o mundo dos negócios não tem tempo a perder com fanfarrões.
O tabuleiro geopolítico internacional não é para amadores como Bolsonaro ou o chanceler Ernesto Araújo. O pragmatismo no comércio internacional é uma lição que os americanos adoram exercitar há mais de um século. Pergunte a Trump por que não deixa de comprar petróleo da Venezuela. Ou por que continua a vender carne de frango para Cuba. Ele responderá que não pode deixar a política atrapalhar os negócios.
Da Redação