Imaginem que o sistema de saúde pública organizasse a ordem de atendimento das pessoas que procurassem tratamento da seguinte forma: aqueles que tivessem o peso ideal para sua altura, gênero e idade, possuíssem a pressão arterial controlada, os níveis de açúcar no sangue dentro da normalidade, não fumassem, praticassem atividade física regularmente, se alimentassem prioritariamente de produtos naturais, frescos e variados, ou seja, os mais saudáveis, devido ao seu mérito ‘genético’ ou aos seus hábitos salutares, teriam prioridade no atendimento.
Loucura, não parece?
Pois é assim que o sistema público de educação funciona. Quanto melhor a escola, em qualquer nível, da creche à universidade, maior a exigência para o ingresso dos ‘alunos’.
O incrível é que nos acostumamos a achar isso natural e correto. Exemplos típicos são as universidades federais, cujo ingresso é disputadíssimo e só alcançado pelos mais ‘inteligentes’, ‘dedicados’, ‘esforçados’, ‘preparados’ ou ‘persistentes’ candidatos. Quem não conhece histórias de jovens que prestaram o vestibular (agora o ENEM) inúmeras vezes, por vários anos, até conseguirem entrar no curso ou na instituição almejada?
Ou seja, o Estado faz um enorme esforço para criar instituições de ensino de excelência e depois direciona esse serviço público aos mais ‘bem dotados’ segundo critérios que julgam a capacidade intelectual ou o desempenho escolar atual.
Volto ao exemplo de um serviço de saúde que atendesse aos mais saudáveis.
Ora, se pensarmos que o Estado deve ser democrático e buscar diminuir as diferenças entre os cidadãos, isso é um total absurdo. Assim como a prioridade no atendimento em um hospital deve ser definida conforme o grau de necessidade do paciente que o procura, o Estado deveria priorizar atender as necessidades de educação e formação dos indivíduos mais carentes desse serviço. E os casos mais graves (as pessoas com maior dificuldade no quesito educação, no nosso caso) devem ser atendidos pelas unidades de alta complexidade (ou escolas de alto nível).
Pois, se é mais difícil ensinar para alunos despreparados, sem base – quantas vezes ouvi professores universitários de escolas públicas reclamando da péssima qualidade dos alunos que recebem, como se falassem da matéria prima de um processo produtivo qualquer – exatamente por isso esses alunos deveriam receber um tratamento ainda melhor. Ou seja, as instituições de excelência no ensino deveriam ser aquelas que promovessem o maior salto na formação de seus alunos. Selecionar a nata e depois entregar egressos bem sucedidos é fácil.
Mas isso só mantém e até aumenta a concentração do conhecimento. O presidente Lula, inclusive, já afirmou que maior que a concentração de patrimônio e renda no Brasil, só a de conhecimento. O ideal seria direcionar os esforços públicos no sentido de elevar o nível e a qualidade da formação da maior parte da população e não só de uma elite, de forma a diminuir as desigualdades e não a realçá-las.
É possível fazer diferente. No Uruguai, por exemplo, todo cidadão tem, garantido na constituição, direito de ingressar na universidade pública, no curso que escolher, desde que atenda critérios básicos (basicamente ter cumprido as etapas anteriores de ensino). Não há o que chamamos de vestibular ou qualquer tipo de seleção baseada no desempenho pregresso do aluno.
Da mesma forma que, para prestar o atendimento necessário, não pode ser levado em consideração se um paciente que dá entrada em um pronto socorro quebrou a perna num acidente de trabalho, na prática de esporte num momento de lazer, ou ao empreender fuga após a repressão de uma manifestação contra o governo, também não se pode condicionar o acesso à educação de qualidade a um cidadão que a deseja, com base na educação que ele teve no passado.
Se quanto mais grave a doença maior o investimento público necessário para tratá-la, quanto maior a necessidade de educação, também deve ser maior o investimento para atendê-la.
Imaginem agora um futuro diferente para nossos filhos e netos. Uma nação que dedique o melhor da sua capacidade pedagógica para não deixar ninguém para trás. Um país que busque dar oportunidades a todos, não oportunidades iguais, pois somos diferentes, mas que ajudem mais os que mais precisam. Uma sociedade em que a diferença entre um professor universitário e uma agricultora, entre uma médica e um cozinheiro, seja apenas definida pela preferência de cada um e não pelo acesso diferenciado que tiveram aos serviços públicos.
O futuro sonhado tem mais chance de acontecer. O sonho coletivo tem mais chances ainda.
Por Alfredo José Barreto Luiz, Engenheiro Agrônomo, e-presidente do Diretório Municipal do PT em Caçapava-SP, para a Tribuna de Debates do 6º Congresso. Saiba como participar.