A informação está na variância. Uma música cuja melodia tivesse realmente uma nota só, com o perdão do maestro, e a letra fosse uma única palavra, não diria nada e seria muito chata. Quase como uma pedra no meio do caminho da comunicação.
De forma semelhante, evitar o debate e o confronto de ideias já se provou historicamente ser um grande erro, que levou a imensas tragédias em várias épocas e locais. Exemplos existem aos montes e vão desde os césares, passando pelo todo-poderoso capaz de afirmar que ‘o estado sou eu’, até o nazismo, o fascismo e o regime de partido único.
Escritores de verdade já retrataram muito bem no que vai dar essa história de discurso único. O russo Eugene Zamiatin, no livro “Nós”, o americano Ray Bradbury, com “Fahrenheit 451”, e os britânicos Aldous Huxley, com “Admirável Mundo Novo” e George Orwell, com “1984”, expuseram com maestria os limites insanos a que pode chegar a humanidade ao tentar suprimir a diversidade.
O problema é que, como diz um teorema de lógica matemática, de 1931, do austríaco Kurt Gödel, simplificado pelo poeta canadense contemporâneo Derek R. Audette, no texto cujo título podemos traduzir por “Poesia do Universo”: “nenhum sistema conhecido contém informações suficientes para explicar totalmente a si mesmo”.
Ou seja, aplicado a um agrupamento qualquer a que eu pertença, nem eu, nem meu grupo próximo ou meu círculo de relacionamentos mais amplo, podemos ter uma visão completa de nós mesmos. Com isso quero dizer que a existência de outras opiniões, interpretações e convicções, inclusive sobre nós, é fundamental para que possamos existir e progredir como sociedade humana civilizada.
Qualquer que seja o grupo a que pertençamos e por mais que consideremos estar do lado certo da história, não detemos a compreensão total de nada, não somos donos da verdade absoluta e é preciso que existam ‘outros’ para nos lembrar constantemente disso e nos fazer melhorar. E isso não pode ser discurso, deve ser prática.
Esse preâmbulo é para dizer que não devemos, como às vezes acontece, reduzir a luta política ao embate entre petistas e tucanos, sendo nós os certos e eles os errados. Não podemos dividir o mundo apenas entre quem é contra os agrotóxicos e quem é a favor. Quem é contra ou a favor da descriminalização do aborto. Entre quem defende ou critica o uso de verba pública no carnaval. Não podemos ser maniqueístas. E muito menos aceitar a existência de um discurso monotônico, seja dentro do partido ou na sociedade.
Os principais assuntos de interesse para um grupo político são complexos e aceitam inúmeras formas de abordagem. A construção de uma hidrelétrica terá muitos pontos a favor e outros tantos contra. Não é apenas dizer que é bom porque vai gerar empregos e energia; ou que é ruim porque vai desapropriar terras indígenas e inundar áreas de preservação permanente. É tudo isso ao mesmo tempo e muito mais. E sua aprovação, ou não, deve acontecer após um amplo e profundo debate em que os participantes entrem não só para falar, mas para ouvir também. E para o debate devem ser convidados todos os interessados, seja qual for sua posição, contra ou a favor.
O que tem me preocupado é a facilidade com que certos companheiros e certas companheiras se põem a criticar virulentamente, com absoluta certeza, pessoas, ideias ou argumentos contrários aos seus, sem o necessário distanciamento, a imprescindível profundidade, o recomendável estudo e, acima de tudo, o indispensável bom senso que o assunto mereceria. Com isso alimentamos uma rede de intrigas, embates, fofoca e ódio, pois acabamos por validar um comportamento semelhante por parte dos outros. E o pior é que entre os outros figuram aqueles que, se não são os donos da mídia, são amigos dos donos.
O absolutismo sempre, principalmente aplicado às ideias, é reprovável. E quando a distribuição do poder de comunicação é extremamente falha, como no Brasil, insistir em taxar um lado como totalmente bom e outro como absolutamente mau, será sempre contraproducente e estará nos colocando em desvantagem perante o adversário, que é dono do campo, da bola e amigo do juiz. Eles poderão virar o jogo e vender a impressão que eles são os bons e nós os maus.
Não contradigo o professor Aldo Fornazieri, especialmente no artigo recente em que exalta a polarização. Obviamente existem opiniões opostas que devem ser expostas e discutidas. O que insisto é que exista discussão e que se respeite o direito do outro ter opinião contrária para que possamos defender o nosso direito de ter opinião. Defendamos políticas inclusivas e não excludentes, mas aceitemos discutir as nuances sem ódios.
Nosso mundo não é perfeito, nem nós o somos. Mas juntos, inclusive aos que pensam diferente de nós, poderemos chegar a uma solução menos pior que a atual. É preciso menos certezas e mais dúvidas!
Por Alfredo José Barreto Luiz, engenheiro agrônomo e ex-presidente do Diretório Municipal do PT em Caçapava-SP, para a Tribuna de Debates do 6º Congresso. Saiba como participar.