No dia 31 de agosto completam 5 anos do golpe contra a primeira mulher eleita presidenta deste país, Dilma Rousseff. O golpe parlamentar-empresarial-jurídico-midiático foi também misógino.
A síntese da violência política de gênero se expressou de forma brutal neste processo e desencadeou uma escalada de violência contra mulheres que miram a vida pública ou que estão em cargos políticos.
Dilma foi alvo não apenas de manobras falaciosas jurídicas e parlamentares, mas de um sistema articulado de desinformação e deslegitimação de uma mulher no poder.
Informações falsas, impropérios, ataques midiáticos por meio da grande imprensa, capas desqualificadoras, rede articulada de promoção do ódio e da mentira, adesivos de cunho pornográfico com apologia ao estupro, quebra de decoro parlamentar, condutas inadequadas e imposturas de ocupantes de cargo público, essas foram algumas das estratégias de produção “cultural” em massa criadas para manipular a “opinião pública”.
Neste mesmo mês em que a história do Brasil é marcada por essa ruptura democrática, lançamos a TV Elas por Elas no canal da tvPT no youtube, um programa feminista diário. A iniciativa é um marco histórico na luta das mulheres petistas por um espaço de notícias e formação política, mas é sobretudo um espaço de disputa de narrativas na Internet para que mais mulheres ocupem a política.
Essa, que é uma conquista de todas as mulheres petistas, é a primeira iniciativa do gênero no campo partidário progressista da América Latina. Demarcar e dar visibilidade aos desafios das mulheres nos espaços de poder é parte estratégica da nossa atuação.
Na estreia da TV Elas por Elas, Dilma Rousseff lembrou como a misoginia foi, milimetricamente, trabalhada para desacreditar e deslegitimar a sua posição enquanto figura pública e política.
Anunciavam que Dilma não era apta ao cargo em razão de não ter uma trajetória política como parlamentar. “À época, era Macri na Argentina, Macron na França, Doria em São Paulo, e eles não tinham passado parlamentar, mas eram considerados aptos ao cargo. A questão nunca foi essa”, exemplificou Dilma.
O grande problema para eles era ter uma mulher no cargo mais alto de poder de um país: a Presidência da República. Ter mulheres em espaços de poder incomoda e incomoda tanto que são elas as maiores vítimas da violência política de gênero, afinal, a estrutura social ainda coloca as mulheres dentro do espaço privado, doméstico, do cuidado e não do fazer político, da presença na política.
Não é à toa que cansamos de ver mulheres tendo a integridade moral e sexual atacada o tempo todo, com palavras de baixo calão; ataques direcionados à família, às filhas mulheres (caso tenha), a relacionamentos, à forma como conduz a educação de suas crias, se amamenta em público ou não e toda sorte de ataques “argumentativos” que não passam perto do papel que ela desempenha na política — não importa o cargo que ocupe.
Existem diversos aspectos da violência política de gênero — entendida como toda e qualquer atitude que visa dificultar, constranger, intimidar, desqualificar, obstaculizar e até impedir mulheres de ocuparem espaços de poder e de decisão.
Após o golpe de 2016, os casos de violência política contra as mulheres aumentaram consideravelmente. O caso da vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco, assassinada no dia 14 de março de 2018, é um exemplo extremo e perverso desse tipo violência, que é o assassinato. Um estudo das ONGs Terra de Direitos e Justiça Global apresentou que entre 1 de janeiro de 2016 até 1 de setembro de 2020, foram registrados 327 casos de violência política.
As eleições de 2020 demonstraram como a situação é grave no país. E mesmo depois de eleitas as vereadoras, petistas e de outros partidos, continuam sendo alvo. Mulheres jovens, trans e negras estão na mira de quem pratica essa violência. Mulheres com mandato parlamentar e mulheres que presidem sindicatos, associações ou outros espaços políticos são alvo desse tipo de violência, que agora é considerada crime.
Dia Nacional de Conscientização e Enfrentamento à Violência Política de Gênero
Tramita na Câmara Federal um projeto de lei de autoria da presidenta do PT e deputada federal Gleisi Hoffmann (PT/PR) que pretende instituir o Dia Nacional de Conscientização e Enfrentamento à Violência Política de Gênero, a ser comemorado anualmente em 31 de agosto.
Desde aquele 31 de agosto de 2016 vivemos no país uma escalada antidemocrática, que retira direitos e precariza a vida de milhões de pessoas, atingindo principalmente as mulheres deste país.
O golpe evidenciou não apenas o “passado que não passou” de autoritarismo e conservadorismo, mas também o grau de violência e preconceito contra a presença de mulheres em espaços que, no imaginário social, não pertencem a elas.
É preciso, mais do que nunca, que a sociedade e partidos políticos desenvolvam ações e estratégias para eliminar a violência política e proteger as mulheres no exercício de sua vida política para a garantia da democracia.
É nosso dever, continuar combatendo todo tipo de violência contra as mulheres. Só venceremos as desigualdades sociais e econômicas deste país quando as questões raciais e de gênero forem também colocadas como um problema estrutural a ser superado, mulheres negras e indígenas devem estar na centralidade de todo e qualquer debate comprometido na redução dessas desigualdades, inclusive as que envolvem a representação na política.
*Anne Moura é feminista, indígena, manauara e petista. Secretária Nacional de Mulheres do PT. Criadora do Projeto Elas Por Elas. Participa do grupo de mulheres do Foro de São Paulo e da Copppal (Conferência Permanente dos Partidos Políticos da América Latina).