As chuvas abundantes que caíram sobre Minas Gerais no fim de 2021 e início deste ano dão um recado claro e duro para quem quiser ouvir: 1) Não foi por falta de aviso; 2) É preciso impor limites à sanha lucrativa da mineração, sob pena de mais tragédias no futuro breve; e 3) Já há legislação proposta, fruto de intensos debates na sociedade, que impediriam ou minorariam os problemas, mas ela esbarra no lobby empresarial.
Quem melhor resumiu o dilema foi o jornalista André Trigueiro, que nos últimos anos especializou-se nas questões ambientais: “as enchentes de Minas vem revelando há algum tempo o lado mais perverso do marco regulatório frouxo, licenciamento irresponsável e fiscalização ausente sobre as mineradoras”. Ele continua: “a fatura chegou!”.
E como é pesada essa “fatura”. Vidas humanas se perdem e um caos ambiental vai se formando com consequências literalmente inestimáveis, mas certamente muito danosas, para o futuro de quem vive em Minas Gerais e, consequentemente, dos brasileiros em geral.
Atuamos como relator da CPI de Brumadinho, na Câmara dos Deputados em Brasília, da Comissão Especial da Assembleia Legislativa, criada logo após o rompimento da barragem da Vale em Mariana. E como membro efetiva da CPI que investigou as responsabilidades da Vale no crime com o rompimento da barragem em Brumadinho (2019). Por isso afirmamos sem margem a dúvida: muitas das consequências ambientais e humanas de fenômenos “naturais” como as chuvas abundantes podem ser minoradas, ou até anuladas, se aprovarmos a legislação aprovada pelas CPIs.
Alguns exemplos: o PL 2788 que cria a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) – já aprovado na Câmara em 2019, e segue parado no Senado – que reduz substancialmente os temores de quem vive nessas regiões; a legislação mineira da Política Estadual dos Atingidos por Barragens (PEAB) e do Mar De Lama Nunca Mais.
A Comissão Externa de Brumadinho e depois a CPI em Brasília, da mesma forma, aprovou a Lei 14.066, que altera leis precedentes, atualizando-as de modo a instituir compensações aos moradores atingidos por barragens, da mesma forma que aumenta a fiscalização sobre a atividade minerária e a punição das empresas em caso de rompimentos.
Governo Zema não ajuda
O governo Zema não ajudou nem ajuda, pelo contrário. Importante lembrar que a reunião que decidiu pela ampliação da pilha de resíduos na Mina Pau Branco, do grupo francês Vallourec, ocorreu em 2021 a pedido a própria mineradora. O Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), sob orientação da Secretaria de Meio Ambiente, ambos sob orientação de Zema, acataram o pedido da multinacional francesa. Novamente, a fatura chegou, como demonstram as chuvas deste início de ano e o transbordamento na Mina Pau Branco, pondo em risco milhares de mineiros e mineiras, ou milhões, se levarmos em conta os riscos ambientais e sociais.
Importante lembrar também a construção, novamente despertando pouca atenção das autoridades competentes, de um grande empreendimento no Lago de Furnas. Mais precisamente próximo aos Cânions em Capitólio, onde recentemente um paredão de rocha desabou levando à morte uma dezena de pessoas, além de feridos. Já há investigação para averiguar se a construção do mega empreendimento guarda relação com o “acidente” ambiental.
O atual governador, dia após dia, demonstra estar muito mais preocupado com a saúde financeira das mineradoras do que com a vida dos mineiros. Em meio a catástrofe das enchentes em várias cidades do estado, Zema limitou-se a convocar uma reunião com prefeitos e abandona-la minutos depois, repassando a condução da mesma para um seu secretário – este limitou-se, em sua fala, a fazer elogios a seu chefe.
Nada de concreto foi anunciado para reduzir os prejuízos dos moradores atingidos pelas enchentes, tampouco sobre como se fará a recuperação das estradas, em situação de colapso.
Prioridade é a ajuda humanitária
A prioridade atual, claro, passa pelas campanhas de ajuda humanitária lideradas por associações de bairros, sindicatos, pastorais, universidades e sindicatos, que têm feito um belíssimo trabalho. As centenas de famílias que tiveram parte de suas vidas destruídas precisam receber ajuda imediata do Estado.
Não dá mais
Mas falemos o bom português para resumir a urgência maior: é preciso “tomar vergonha na cara”! Não dá mais para tolerar a absoluta concordância dos governos Bolsonaro e Zema com a sanha lucrativa das mineradoras e seus aliados na política. Sobretudo em um estado como Minas, que infelizmente viveu os crimes das mineradoras Vale/ Samarco/BHP em Mariana e Brumadinho, nas bacias do Rio Doce e Paraopeba. Basta!
Beatriz Cerqueira (PT MG) é deputada estadual e integrou a CPI do crime da Vale em Brumadinho da ALMG e Rogério Correia (PT MG) é deputado federal e foi relator da CPI de Brumadinho na Câmara Federal
Artigo publicado no Brasil de Fato