Quando Paulo Guedes assumiu o cargo de ministro da Economia do governo Bolsonaro, em janeiro de 2019, já possuía milhões de reais depositados num paraíso fiscal. Uma pessoa com um mínimo de decência e dignidade, jamais assumiria o comando da economia de um país nesta condição.
Não é preciso ser economista para entender que qualquer decisão tomada por Guedes, na função de ministro, teria impacto imediatamente no seu patrimônio vinculado a uma offshore, o tipo de empresa que atua na lógica da especulação e do rentismo. Mas está claro que o “Posto Ipiranga” de Bolsonaro não hesitou um segundo sequer antes de tornar-se o agente público que comandaria a economia brasileira.
Em nenhum – repito: nenhum! – grande jornal brasileiro se viu qualquer manchete de primeira página mencionando Paulo Guedes e muito menos uma foto dele em qualquer tamanho. Os pesos e as medidas são antípodas quando se trata de um caso envolvendo um agente público de esquerda.
Portanto, o lucro extra auferido por Guedes viola todos os códigos de ética e moralidade da administração pública, mas também pode ser fruto de uma série de crimes previstos pela legislação brasileira. O mais grave: enquanto aumenta o seu patrimônio pessoal, o ministro de Bolsonaro arruína a economia e a vida de milhões de pessoas. O país sofre com a volta da miséria em larga escala e Paulo Guedes lucra com isso.
Em todos os países onde líderes políticos e funcionários públicos foram flagrados pelo projeto “Pandora Papers”, que expôs centenas de fortunas transferidas em paraísos fiscais para fugir da taxação, a imprensa tem questionado e colocado lupa sobre as informações reveladas. No caso do Brasil, entretanto, a blindagem da autodenominada “imprensa profissional” – que também se atribui a virtude da “independência” – ao cidadão Paulo Guedes é mais reforçada do que os cofres do Banco Central em Brasília.
Em nenhum – repito: nenhum! – grande jornal brasileiro se viu qualquer manchete de primeira página mencionando Paulo Guedes e muito menos uma foto dele em qualquer tamanho. Os pesos e as medidas são antípodas quando se trata de um caso envolvendo um agente público de esquerda.
O então ministro dos Esportes do governo Lula em 2008, Orlando Silva, teve sua foto estampada nos jornais quando comprou uma tapioca de R$ 8,30 com o cartão corporativo durante uma viagem a trabalho. As manchetes contra o ministro do governo petista fizeram parte de uma ofensiva que não se justificava sob qualquer critério: jornalístico, político ou ético.
Já no episódio de Paulo Guedes, que faturou R$ 16 milhões com a desvalorização do real frente ao dólar, todos os critérios estavam postos para uma cobertura detalhada e indignada. O que se vê, porém, é uma gigantesca operação de ocultação do escândalo, o que também é uma forma de censura indireta e de desrespeito ao direito à informação da sociedade.
Guedes, aliás, tem um histórico bastante questionável, para se dizer o mínimo. Em 2004, ele se beneficiou de uma fraude na Bolsa de Valores de São Paulo. O economista ganhou R$ 600 mil em apenas dois dias graças a um golpe de uma corretora contra um fundo de investimento de funcionários do BNDES. Guedes não foi arrolado como réu no processo, mas a corretora Dimarco teve três diretores condenados a quatro anos e oito meses de prisão pela Justiça.
Antes disso, o jovem economista Paulo Guedes foi trabalhar no Chile do ditador Augusto Pinochet, ídolo de Jair Bolsonaro. Para o brasileiro, as milhares de mortes causadas pelo regime militar chileno não representavam um empecilho ético ou moral para que ele fosse trabalhar para o governo daquele país.
Em que pese a passada de pano generalizada da grande mídia, o PT vai acionar o Ministério Público para que investigue se o ministro atuou em benefício próprio. E seguiremos cobrando a sua demissão. É absolutamente inaceitável que Paulo Guedes permaneça no cargo após as reportagens do Pandora Papers.
Alencar Santana Braga é advogado e deputado federal (PT-SP)
Artigo publicado originalmente no site Tribuna da Grande S.Paulo.