Seguindo minha retrospectiva, chego à lenta recuperação de 2017-19, período que chamo de “governo Temeraro”, pois a política econômica foi basicamente a mesma nos três anos.
Especificamente, em 2017-19 houve: contração fiscal no Orçamento primário, redução do poder de barganha dos trabalhadores, venda de patrimônio público, redirecionamento da Petrobras para seus acionistas minoritários, retração dos bancos públicos (com colapso no BNDES) e maior liberalização financeira e regulatória.
A aposta do time Temer era que a virada neoliberal na política econômica derrubaria o juro real e aumentaria a confiança das famílias e das empresas, com rápida recuperação do gasto privado. O juro real de fato caiu, mas o PIB não veio. A aposta neoliberal deu ruim, e isso aconteceu antes de a Covid nos atingir.
O crescimento médio do PIB por habitante foi de 0,7% ao ano em 2017-19, a mais lenta recuperação da economia após uma grande recessão desde que temos estimativas do PIB. Por que tão lenta? Como o período é recente, há grande debate na literatura. Resumo minha opinião em quatro pontos.
Primeiro, uma grande recessão deixa sequelas. Por efeito estatístico, o crescimento anual do PIB demora a se recuperar, sobretudo depois que o golpe de 2016 prolongou a recessão daquele ano. Esse fator explica parte da lenta recuperação de 2017.
Segundo, a fragilidade política do governo Temer teve preço. Em maio de 2017, um ano após o golpe parlamentar, o presidente da República foi flagrado em conversa suspeita com um grande empresário, o “Joesley Day”, e isso comprometeu sua base política.
Houve pedidos de renúncia ou impedimento de Temer, que a partir de meados de 2017 virou figura decorativa. O centrão assumiu o Orçamento, e a agenda de reformas estruturais (Previdência e tributação) foi engavetada. Houve “apenas” uma reforma trabalhista, que, em vez de reduzir o desemprego, aumentou a precarização do trabalho.
Terceiro, do lado fiscal, o triênio Temeraro começou com nova contração fiscal, mas as autoridades rapidamente perceberam seu erro e recorreram a operações parafiscais (liberação de FGTS e PIS-Pasep) para evitar nova recessão. O resultado foi uma política fiscal quase neutra para o PIB como um todo, mas desastrosa para o investimento.
Do lado monetário, Ilan Goldfajn corrigiu seu erro de 2016 e mergulhou com o juro real em 2017, mas a medida foi insuficiente para recuperar o PIB. Para piorar o quadro, em maio de 2018, o governo sofreu outro choque institucional, parte exógeno e parte endógeno: a greve dos caminhoneiros, que é o quarto ponto de minha análise.
Após o golpe parlamentar, o novo comando da Petrobras decidiu transmitir mais rapidamente as variações do preço internacional do petróleo e da taxa de câmbio ao preço interno dos combustíveis. Enquanto o preço caiu, todo o mundo aplaudiu, mas, quando houve aumentos sucessivos, no início de 2018, os caminhoneiros paralisaram o país, e isso derrubou o PIB do segundo trimestre daquele ano.
A greve dos caminhoneiros e a incerteza em relação às eleições de 2018 fecharam o caixão do governo Temer. A economia registrou mais um ano de lento crescimento, mas, apesar dessa decepção, as expectativas do governo e do mercado continuaram otimistas em dezembro daquele ano.
No fim de 2018, os mesmos criadores do “é só tirar a Dilma” apostavam que, com um “Posto Ipiranga” ultraneoliberal, uma série de reformas estruturais pró-mercado finalmente destravaria o crescimento do PIB. Novamente deu ruim, tema da próxima semana.
Nelson Barbosa é professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.