Os analistas do mercado financeiro elevaram pela 21ª vez este ano a projeção da inflação em 2021, ao mesmo tempo em que passaram a ver menor crescimento econômico no país. As previsões fazem parte do boletim Focus divulgado nesta segunda-feira (30) pelo Banco Central, que se prepara para o quinto aumento consecutivo da taxa Selic este ano.
O cenário de inflação descontrolada, concomitante à alta da Selic, desemprego, perda de renda das famílias e a consequente elevação do risco de inadimplência, é a justificativa do mercado financeiro para a abusiva taxa média de juros cobrada pelas instituições financeiras no crédito pessoal não consignado, ou crédito direto ao consumidor (CDC). Segundo o BC, ela atingiu a marca dos 79,5% ao ano em julho, mas pelo menos cinco bancos e financeiras identificados pelo portal Uol cobram taxas anuais que variam de 500% a 1.000%, até 12,6 vezes superiores à média do mercado.
Como no Brasil neoliberal do ministro-banqueiro Paulo Guedes não há lei ou regulamento que limite a cobrança de juros, as instituições financeiras são livres para definir as taxas que exigirão dos clientes para os empréstimos. Cabe ao Conselho Monetário Nacional (CMN), presidido por Guedes, definir as regras e políticas públicas para o mercado de crédito, incluindo a limitação de taxas de juros.
“Não há limite na legislação para a cobrança de juros pelas instituições financeiras, e as taxas podem ser pactuadas livremente. As taxas de juros variam de acordo com o risco de crédito de cada cliente, exigindo a análise de cada caso específico”, afirmou em nota o Banco Crefisa, número um no ranking de juros abusivos do Uol. O portal também revelou que as taxas se encontram nos mesmos níveis desde 2017. O BC não se pronunciou.
No vale tudo instituído pela equipe econômica do desgoverno Bolsonaro, a cada dia se agrava mais o endividamento dos brasileiros. Os últimos dados do BC apontam que 58.5% da renda das famílias estão comprometidos com alguma dívida. É o maior percentual desde que a instituição passou a acompanhar o dado, em 2005.
“A alta dos juros pode agravar esse quadro, especialmente as taxas que respondem mais forte à Selic”, afirmou à CNN Marcela Kawauti, economista da Prada Assessoria. Ela avalia que o risco de o endividamento virar inadimplência é grande, pois muitas famílias ainda dependem do auxílio emergencial, que terminará em outubro. “A gente não vê a economia crescendo sem esse tipo de injeção. O endividamento pode virar inadimplência e frear o consumo”, alertou a economista.
Mais de 70% das famílias estão com dívidas atrasadas
A Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) revelou que o percentual de famílias com dívidas ou contas em atraso bateu recorde pelo terceiro mês consecutivo em agosto, e 72,9% delas estão endividadas, contra 71,4% em julho. É o maior percentual desde o início da série, em 2010. Também está aumentando o percentual de famílias com mais de 50% da renda mensal comprometida com dívidas.
“A renda dos brasileiros está afetada e o mercado de trabalho está fragilizado por conta da pandemia de Covid-19, tanto as atividades formais como as informais”, destacou a economista responsável pela pesquisa, Izis Ferreira. “Além disso, temos os motivos econômicos externos, como a diminuição do valor pago pelo auxílio emergencial e o aumento da inflação no país. Tudo isso junto faz com que as pessoas cheguem ao fim do mês sem dinheiro.”
A proporção de dívidas no cartão de crédito também renovou o recorde histórico, alcançando 83,6% das famílias endividadas. Na sequência, aparecem carnês (18,2%), financiamento de veículos (13,1%) ou de casa (10,3%), crédito pessoal (9,5%), crédito consignado (6,8%) e cheque especial (4,8%).
“Dentre as famílias mais pobres, o orçamento apertado tem influenciado o maior uso do cartão de crédito também para aquisição de itens de primeira necessidade, como alimentos e produtos de higiene, por exemplo. Já as famílias de renda mais alta estão utilizando mais o cartão de crédito no consumo de serviços”, destacou a pesquisa.
O presidente da CNC, José Roberto Tadros, afirma que muitos brasileiros têm recorrido à informalidade e obtido crédito para investir em pequenas atividades que possam recompor a renda e garantir o sustento. Mas a alta dos juros também atingiu os micro e pequenos empreendedores que tem recorrido aos empréstimos do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe).
Quando o programa começou, em junho de 2020, os juros praticados eram de 1,25% mais a Selic – que estava em 3,5%. Agora, os juros são acrescidos em 6% e a Selic, que atualmente está em 5,25%, mas deve subir mais um ponto na reunião do Copom de setembro. Em 2020, o programa concedeu R$ 37,535 bilhões em empréstimos para 516.791 empreendedores. Neste ano, foram liberados R$ 20,049 bilhões para 267.905 empresários.
Da Redação