Este texto não é um desabafo, é uma crítica. Uma discussão política, ainda que atravessada por sentimento. Estranho que precise fazer essa ressalva, a de que política não exclui o coração. Mas acho que preciso.
Após 12 anos como assessora de Educação da Bancada do PT na Assembleia Legislativa de São Paulo, e mais dois mandatos como deputada estadual na mesma Casa, claro que já presenciei e vivi reorganizações de equipe após trocas de liderança. É esperado.
O que está acontecendo hoje, porém, não é nada disso. Com todo respeito às qualificações dos companheiros que nos substituirão, há uma clara opção de desmonte, de desconstrução dos recursos que dão embasamento ao exercício político da Bancada, em prol de recursos eleitorais imediatos.
É uma opção política desesperada e temerária. Vivemos em um Estado onde somos oposição acuada, onde um governador como Alckmin se reelege em 1º turno. É assustador que encontremos ainda mais espaço para recuar. Mas estamos encontrando.
Assinei a ata de nascimento de um partido muito diferente daquele que, agora, assina seu desejo de dispensar meu trabalho. Eu e uma boa dúzia de companheiros altamente qualificados fomos exonerados de nossas atividades como assessores técnicos da bancada do PT na Alesp nas últimas semanas – no meu caso, durante minhas férias – em nome de um suposto “projeto revolucionário de organização”. Talvez procurem gestores.
A seca de qualidade da Liderança hoje é tal que quem ficou não se inibe e chega a telefonar para quem foi embora pedindo que façam análises técnicas, que façam por favor o trabalho do emprego que perderam. Os novos não têm “expertise”, não foram contratados com essa função.
Tenho 75 anos. Não são poucos, e alguns deles foram bons. Muitos dos melhores foram na década de 1980, quando construímos e vivemos a ascensão do movimento social. Quando até o PMDB era democrático, quando talvez houvesse mais democracia do que hoje.
Entrei na USP com mais de 30 anos, já mãe, e cheguei a esse momento da história completamente envolvida no movimento estudantil, depois no de professores, no de educação, onde milito até hoje; no movimento contra a carestia, pela anistia, no MEP; na criação da CUT, na tomada da Apeoesp. Mas, fundamentalmente, envolvida no nascimento do Partido dos Trabalhadores.
Lembro do mundareu de gente no dia da fundação do PT. Muitas mulheres, especialmente por conta do movimento de professores. Lembro do que a gente falava, do que ouvia, do entusiasmo de todos.
Com o passar do tempo e das lutas, fui me destacando como liderança. Na esteira da espetacular campanha do Lula em 1989, me candidatei a deputada estadual dois anos depois. Fiz minha campanha dormindo na casa de outros professores enquanto viajava pelo Estado. Fui eleita com votos em 457 dos pouco mais de 600 municípios paulistas. E reeleita em 1995.
Depois, quando os professores ocuparam a Assembleia durante a greve de 1995, retribuí a hospitalidade – dormiram em meu gabinete.
Mandato é aquela coisa de dia a dia, realidade. A gente aprende a dificuldade que é ser oposição institucional. Mas conseguimos uma atuação marcante: CPIs de Violência contra a Mulher e contra Criança e Adolescente; desmonte de uma máfia que vendia livros didáticos novos para serem retalhados e virarem aparas, ação contra juízes que traficavam crianças, colaboração na formação do ECA.
Após meus mandatos como deputada, fui subprefeita de Pinheiros na gestão Marta Suplicy. E foi ótimo. Marta não era autoritária, como muitas vezes pintam. Era mandona. São coisas diferentes. Ela ouvia e, às vezes, voltava atrás.
Hoje, aqui, não há sequer conversa. Manda quem pode, obedece quem tem juízo. É um ditado batido e que se aplica perfeitamente à banalidade do que nos tornamos.
Engraçado como, à medida que vou contando, sinto que a história vai empobrecendo. Como se anunciasse uma tempestade
Até meu aniversário em 6 de junho de 2005 eu era feliz e não sabia. Mensalão.
Uma coisa que não se fala muito, talvez por ser feia demais, é que houve um aproveitamento extremamente nocivo dessa situação para se fazer política interna. A partir daí, a disputa dentro do partido mudou de nível. Brigas, competição pelos postos de direção, isso tudo cresceu, sem dar solução política que pudesse superar as contradições, as dificuldades. Não houve esforço suficiente.
Em vez de construirmos nossas opções, grudamos no banqueiro, no açougueiro. Isso se repete internamente. Em vez de sentar e conversar, de começar a destrinchar, fomos empurrando para debaixo do tapete. Quanto mais diziam que amanhã ia dar certo, naquelas análises mirabolantes tão comuns, menos dava certo.
Nos tornamos desconhecidos entre nós. Começamos a guardar tudo para o acúmulo do poder. Recentemente, no trabalho, ouvi perguntarem “quem é essa senhora?”.
O que a gente viveu entre a década de 1990 e 2011 nunca será perdido. Aliás, ainda está para ser percebido realmente como a coisa inédita e grandiosa que é. Mas, no momento atual, o processo secou, encurtou, emburreceu. Ninguém mais consegue dizer grandes coisas.
Vejo todos se preparando para a eleição da mesma maneira de sempre. Vamos novamente esquecer de construir uma solução?
Nisso, estamos, justo nós, reproduzindo o que há de pior no patronato. Justo agora, num momento crucial de luta contra reformas, perda de direitos, de uma nova luz no trabalhismo.
Essa briga mesquinha propicia o autoritarismo e a falta de produção de política dentro do partido, o que é muito visível. Para citar outro ditado ordinário: quando a fome entra pela porta, o amor sai pela janela. Na nossa crise interna, o primeiro a sumir foi o companheiro.
Por Bia Pardi, uma das fundadoras do PT, para a Tribuna de Debates do PT.
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