O Estado brasileiro precisa redefinir seu papel como principal agente transformador da capacidade produtiva nacional, em sintonia com a transição energética, e garantir o desenvolvimento sustentável do país pela superação da pobreza. No segundo dia do seminário “Estratégias do Desenvolvimento Sustentável para o Século XXI”, na sede do BNDES, no Rio, nesta terça-feira (21), representantes de áreas distintas do conhecimento econômico debateram temas como reindustrialização, crescimento econômico inclusivo e descarbonização da economia.
“Que desenvolvimento nós queremos para o Brasil, qual é a qualidade desse desenvolvimento?”, indagou Tereza Campello, diretora Socioambiental do BNDES, no evento realizado em parceria a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) e do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI).
A ex-ministra do Desenvolvimento Social chamou a atenção para o desafio maior do Brasil: é preciso superar os retrocessos econômicos e sociais dos últimos anos e, ao mesmo tempo, colocar em campo um programa de crescimento focado na nossa soberania e sintonizado com a vanguarda da agenda ambiental do planeta.
“Quando falamos do Brasil do passado, trombamos com ele todos os dias ao discutir trabalho análogo ao escravo. Como ainda estamos discutindo isso?”, espantou-se a economista, para quem o debate sobre o que aconteceu no Brasil “profundo” foi “interditado”, assim como o debate sobre desenvolvimento na era Bolsonaro.
Passado, presente e futuro
Campello defendeu que o país precisa encarar a superação de suas contradições em múltiplas dimensões, onde coexistem passado, presente e futuro: a reconstrução do que foi aniquilado pela destruição do papel social do Estado, as novas bases de uma reindustrialização sustentável – a única via de desenvolvimento possível ao país – e uma agenda verde de crescimento perpassando todos os aspectos da economia.
“Quem vai nos ajudar a construir, ou reconstruir, esse modelo? É o Estado brasileiro”, apontou.
A diretora falou sobre o papel dos sistemas alimentares para o desenvolvimento do país diante das demandas da produção agrícola e da profunda desigualdade social manifestada nos índices de insegurança alimentar crônica da população. Para Campello, dado o papel do BNDES na concessão de crédito, tanto ao agronegócio quanto à agricultura familiar, é necessária uma nova visão estratégica ao país.
Ela apontou a contradição no fato de o país ser campeão na produção de grãos, mas com índices recordes de desmatamento e de pessoas com fome. E questionou o atual modelo de produção do agronegócio. “O Estado investe muito no agro, o crédito é altamente subsidiado, mas, quando você vai fazer esse debate para um conjunto de outros setores que nos interessam estrategicamente, esse debate vira pecado”, comparou.
Atuação do Estado
“O debate fundamental que quis trazer é por que se aceita o investimento estatal e o crédito subsidiado para determinado setor e não se discute que ele também pode ser interessante e importante para o desenvolvimento industrial, para a agenda ambiental e a agenda de superação de desigualdade. Esse debate tem de estar colocado”, disse.
Campelo sustenta que o Estado será o ator principal na transição da atual produção agropecuária para modelos saudáveis e sustentáveis. “É uma oportunidade para o Brasil discutir bioinsumos, biofertilizantes, empregos verdes, produzir sobre outras bases”, observou.
“Não é hora de austeridade fiscal”
O economista americano Jeffrey Sachs, da Columbia University, explorou as causas do baixo crescimento do Brasil nos últimos anos. Ele identificou os baixos investimentos, sobretudo do setor público na última meia década, como um fator agravante para o quadro de deficiência econômica brasileira.
“Nos últimos cinco anos, os investimentos públicos em infraestrutura foram quase nada, seja em transporte, meio ambiente, setor de comunicações ou energia”, relatou o economista. “A gente vê 1% do PIB ou até menos. E também investimentos em capital humano, como educação e saúde, são extremamente baixos”.
Sachs defendeu urgentemente um aumento dos investimentos públicos a fim de atrair os privados.“Não é um momento para austeridade fiscal, é hora de aumentar os investimentos públicos, uma expansão significativa, principalmente com capital humano e infraestrutura”, aconselhou.
“Situação fiscal é distorcida”
Nesse sentido, o orçamento federal desempenha papel fundamental nessa expansão. Ele argumentou que o débito líquido do Brasil, em torno de 60% do PIB, é inferior à dos países do G7, as nações mais desenvolvidas. “Nos EUA, é 100%%”, explicou. Sachs também salientou que a dívida do Brasil não é em dólar, o que afasta o risco de endividamento excessivo.
Paradoxalmente, porém, as taxas de juros incidem com força sobre o déficit geral do país, aponta o economista, o que não se justifica. “A inflação no Brasil é comparável ou inferior às taxas dos Estados Unidos e da Europa. Mas lá se paga uma média de 2% de taxas de juros, e no Brasil, 11%”. Em outras palavras, a situação fiscal do Brasil é completamente distorcida”.
Obsessão fiscal
Jayati Ghosh, da University of Massachusetts Amherst, criticou a taxa de juros no Brasil, algo que precisa mudar, e condenou o que considera uma obsessão da política fiscal por “superávit primário”, algo comum para países que possuem uma dívida externa elevada.
Para ela, há dois caminhos possíveis ao país, adotar políticas para crescer o PIB ou cortar gastos por meio de um arrocho fiscal. “O que faz mais sentido?”, ela questionou, defendendo um aumento dos investimentos públicos com uma atuação forte do Estado como alavanca do crescimento do PIB e da erradicação da pobreza.
“O ministro da Fazenda pode perguntar: como financiar mais gasto público? Tem como: é só mudar o sistema tributário do país, que é um dos mais regressivos do mundo. Se os 0,1% mais ricos pagarem mais impostos, seria um enorme ganho”, apontou Ghosh.
Decisões corretas
Ao encerrar o evento, o ministro da Fazenda Fernando Haddad voltou a criticar a taxa de juros no país. “Não temos problemas geopolíticos e nossa inflação está mais controlada que no resto do mundo. Agora temos que tomar as decisões corretas”, defendeu Haddad.
“Temos o compromisso de reestabelecer a carga tributária histórica dos últimos anos, para que então a gente tenha a base fiscal para dar sustentação aos programas e assim buscar equidade para o nosso país”, explicou o ministro, ao falar do novo arcabouço fiscal que está sendo desenhado pelo governo Lula.
“Nós estamos criando no Congresso um ambiente favorável, para que nesse primeiro semestre, o Brasil reencontre o caminho do desenvolvimento. No segundo semestre, o objetivo é criar essas medidas que trarão uma sustentabilidade para o governo do presidente Lula”.
Da Redação