Em apenas dois anos, a ação deletéria de Jair Bolsonaro contra as políticas sociais multiplicou por dez o número de famílias ameaçadas de despejo pelo Brasil. O levantamento mais recente da Campanha Despejo Zero, que reúne 175 organizações e movimentos populares, estima que subiu para 201,3 mil o número de famílias nessa condição entre março de 2020 e outubro de 2022.
Desde o início da pandemia, a quantidade de pessoas na iminência de perder o teto cresceu 901%. O último levantamento da Campanha Despejo Zero, em maio de 2022, apontava a existência de 142.385 famílias sob despejo iminente. Nesse intervalo de quatro meses, o número de famílias na situação saltou 32%.
Entre as atuais 898.916 pessoas, cerca de 600 mil são negras, 154 mil são crianças e 151 mil, idosas. O estudo também revela que mais de 40% das famílias recebem até um salário mínimo (R$ 1.212). O estado com a maior população em risco é São Paulo, com cerca de 57 mil famílias, seguido pelo Amazonas, com 28 mil.
A situação é agravada por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2 de novembro, que não acatou o pedido de movimentos populares para prorrogar por mais seis meses a proibição de remoções forçadas por conta da pandemia. Relator da ADPF 828, que tratava do tema, o ministro Luís Roberto Barroso determinou que se instaure no país um “regime de transição” para os despejos.
A decisão, respaldada pela maioria da Corte, estabelece que os tribunais nos estados criem Comissões de Conflitos Fundiários. O Poder Público passa a ser obrigado a ouvir representantes das comunidades afetadas; avisá-las com antecedência da situação; dar um “prazo razoável” para a desocupação e encaminhar quem precise para “abrigos” ou adotar “outra medida eficaz para resguardar o direito à moradia”.
Mas as condicionantes do regime de transição valem apenas para ocupações coletivas. Despejos de quem vive em casas por aluguel de até R$600 já podem ocorrer, ainda que o ocupante esteja em situação vulnerável. Estudiosos ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico acreditam que o número de despejos deve aumentar nos próximos meses, no caso dos contratos residenciais nos quais os inquilinos estejam inadimplentes.
Lei proposta por petistas suspendeu despejos e desocupação de imóveis
Despejos ou desocupação de imóveis foram suspensos até o fim do ano passado pela Lei 14.216/2021, oriunda do Projeto de Lei 827/20, protocolado na Câmara em abril de 2020 pelas deputadas federais Natália Bonavides (PT-RN), Professora Rosa Neide (PT-MT) e André Janones (Avante). Mesmo tramitando em caráter emergencial, a proposta levou mais de um ano e meio para virar lei, em 8 de outubro de 2021.
Bolsonaro chegou a vetar o projeto, mas a decisão foi derrubada pelo Congresso. PT, outros partidos de oposição e movimentos sociais conseguiram estender o prazo no STF por duas vezes, até o final de junho deste ano.
Ainda tramita no Senado o Projeto de Lei (PL) 1.718/2022, do senador Paulo Paim (PT-RS), que prorroga o prazo novamente, até 31 de março de 2023. Enquanto a proposta não for aprovada, a ameaça de despejo se mantém, em um momento de empobrecimento e endividamento das famílias e de extinção do programa Minha Casa Minha Vida, que ergueu mais de 4 milhões de habitações no país de 2009 a 2016.
Bolsonaro lançou o Casa Verde e Amarela via medida provisória apresentada em agosto de 2020. O programa excluiu as famílias de menor renda e agravou o déficit habitacional país afora. A estimativa da empresa de investimentos e gestão TCP Partners, divulgada no ano passado, era de falta de moradias para 6,1 milhões de pessoas.
Déficit habitacional explodiu sob Bolsonaro
A revista Piauí reporta que pelo menos 17,4 milhões de pessoas vivem no país em situação de déficit habitacional – em casas precárias, improvisadas ou com a maior parte da renda comprometida com o aluguel. Cerca de 88% das famílias nessa condição recebem até 3 salários mínimos.
Boa parte delas vive em assentamentos informais, caracterizados pelo estado precário das moradias, superlotação, irregularidade da propriedade ou ausência de serviços públicos. Em 2021, a área total ocupada por favelas no Brasil totalizava 106 mil hectares.
Além de não construir casas, ao longo dos anos o desgoverno Bolsonaro foi reduzindo o orçamento destinado à contenção de desastres naturais. Conforme dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), pelo menos 9,5 milhões de pessoas vivem em áreas de risco, sujeitas a deslizamentos de terra, enchentes e outros desastres climáticos.
Embora quase 900 cidades brasileiras possuam moradias em áreas de risco, 20 municípios concentram 36% de todas essas áreas ocupadas nos últimos 37 anos. As seis primeiras cidades da lista são: Salvador (BA), Ribeirão das Neves (MG), Jaboatão dos Guararapes (PE), São Paulo (SP), Recife (PE) e Belo Horizonte (MG).
Os dados do Cemadem também apontam que, a cada 100 hectares de favelas, 15 estão em área de risco por alta inclinação. Em ocupações urbanas com declive maior que 30%, o risco de acidentes causados por eventos climáticos é potencializado.
As mais de 175 entidades reunidas na Campanha Despejo Zero entregaram a representantes do Gabinete de Transição do governo uma carta com propostas de medidas urgentes e estruturais para o enfrentamento do déficit habitacional e a ameaça de despejos coletivos no campo e na cidade mapeados pela campanha.
“As propostas visam contribuir com a adoção de medidas que garantam um Brasil e um governo Despejo Zero, e o fim da violação de direitos humanos em processos de remoção/reassentamento”, afirma o documento. “Espera-se que o Governo Federal cumpra seu papel de articulador de uma política nacional de prevenção e mediação de conflitos fundiários articulando as diversas instâncias de governo com a participação da sociedade civil e a partir do acúmulo das experiências.”
Da Redação