Indicador utilizado para avaliar o bem estar e nível de renda de uma nação, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita do Brasil só deverá retomar o patamar pré-pandemia em 2023. No momento, aponta pesquisa do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre), ele se encontra em R$ 35.172 por habitante, 7,5% abaixo do maior nível registrado no país, em 2013, sob Dilma Rousseff.
Soma de tudo o que país produz dividido pelo número de habitantes, o PIB per capita sobe quando a atividade econômica avança mais rapidamente do que o crescimento populacional. Quando há retração na economia, como agora, sob Jair Bolsonaro e seu ministro-banqueiro Paulo Guedes, ele encolhe de forma acentuada.
Em 2020, o PIB desabou 4,1%, enquanto o PIB per capita tombou 4,8%. Foi o maior recuo anual da série iniciada em 1996 e a maior queda do PIB desde 1990, quando a economia encolheu 4,4%. O resultado fez o país cair para a 12ª posição no ranking das maiores economias do mundo.
“O risco de um cenário pior para o ano que vem é mais provável do que de um aumento nas projeções para o PIB – o que significará também uma taxa de crescimento muito baixa do PIB per capita. Será abaixo de 1% com certeza. Ou seja, ainda não recupera o patamar de 2019”, afirmou ao portal g1 Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Ibre/FGV e autora do levantamento.
O PIB per capita, estima a economista, irá crescer 4,1% em 2021. Com isso, o brasileiro deverá terminar o ano ainda 0,9% mais pobre na comparação com 2019 e 7,5% abaixo da máxima histórica de 2013. Para 2022, a projeção é de avanço de apenas 0,8%, o que deixaria o indicador ainda 0,1% inferior ao nível pré-pandemia.
O levantamento leva em conta as últimas projeções do Ibre para o crescimento da economia. Em setembro, o instituto reduziu a projeção para o avanço do PIB total de 5,2% para 4,9% em 2021. A previsão para o crescimento de 2022 baixou de 1,6% para 1,5%. O cenário base atual do Ibre considera uma taxa de crescimento médio anual de 1,6% da economia e de 1% do PIB per capita a partir de 2023.
“Um cenário base de crescimento do PIB per capita de 1% ao ano é bem factível. Só que, mesmo assim, a gente só voltaria ao patamar de 2013 em 2029. Ou seja, precisaria de uma década para voltar ao patamar do pico de 2013. É muito difícil imaginarmos alguma coisa melhor que isso”, lamenta a economista.
Com Lula, PIB cresceu 3,7% ao ano
Mesmo em cenário de maior otimismo, com crescimento econômico de 3% ao ano a partir de 2023, o PIB per capita só retornaria ao patamar de 2013 a partir de 2025, ou 12 anos após o pico histórico. “Isso seria um cenário super otimista, porque o PIB crescer 3% sistematicamente por vários anos é algo muito raro e atípico”, ressalta a analista.
Isso ocorreu entre 2001 e 2010, sob Luiz Inácio Lula da Silva. No período, a variação média do PIB foi muito superior à histórica: 3,7%, mesmo sob influência da crise financeira internacional de 2008. O PIB per capita cresceu à média de 2,4% ao ano, e alcançou o maior valor sob Dilma Rousseff, em 2013.
Naquele ano, o indicador chegou a US$ 15,6 mil (R$ 84,93 mil, pelo câmbio atual). Caiu 0,7% em 2014, na primeira retração desde 2009, e chegou a US$ 14,3 mil (R$ 77,85 mil) em 2016, quando a presidenta foi afastada do cargo pelo golpe dos derrotados em 2014. Desde então, a recessão das “pautas-bomba” de 2015 e 2016, seguida por três anos de crescimento pífio, afastou o Brasil cada vez mais do nível máximo de renda.
“Antes da pandemia, o PIB já estava rateando bastante. 2019 já foi um ano relativamente ruim, com alguns trimestres negativos, a gente ainda estava 6,7% abaixo do patamar de 2013”, lembra Silvia Matos. “Temos uma nova crise gerada pela pandemia, mas os nossos desafios de crescimento permanecem.”
O agravamento da crise hídrica, a inflação descontrolada e a decorrente trajetória de alta da taxa básica de juros se somam ao desemprego histórico para compor um cenário que inibe investimentos e trava uma eventual retomada econômica.
“Mais de 60% do PIB do lado da demanda é consumo das famílias. Então, num cenário inflacionário e de baixo emprego, e com cobertor curto para as políticas redistributivas, o espaço para o aumento do consumo das famílias é muito baixo”, conclui a economista.
Informalidade, precarização e endividamento recorde
Além da renda, o desemprego também continua distante do registrado em 2013 e, principalmente, em 2014, quando chegou a 4,8%, menor taxa já registrada. Na última semana, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou que a taxa de desemprego no trimestre encerrado em julho ficou em 13,7%, ou 14,1 milhões de pessoas. E os empregos que restam são de baixa remuneração.
Com isso, o rendimento real habitual do trabalhador ficou em R$ 2.508 no trimestre encerrado em julho, 2,9% abaixo do registrado nos três meses imediatamente anteriores, de R$ 2.583. Na comparação com julho de 2020, a queda é ainda mais acentuada (8,8%). Há um ano, o rendimento real habitual foi de R$ 2.750.
“Essa queda do rendimento pode estar associada a um crescimento da ocupação baseado em trabalhadores com menores remunerações”, explica a analista da pesquisa, Adriana Beringuy. “Parte significativa da expansão da ocupação vem da informalidade. Então, hoje tem muito mais trabalhadores informais do que existia no ano passado. Além disso, a gente não pode esquecer que o crescimento da inflação que vem ocorrendo nos últimos meses também contribui para essa queda.”
Segundo o IBGE, o trabalho informal teve o maior crescimento dos últimos tempos. “Em um ano, o número de informais cresceu 5,6 milhões”, destaca Adriana. O grupo dos informais, que inclui os sem carteira assinada, sem CNPJ (empregadores ou empregados por conta própria) ou trabalhadores sem remuneração, somou 36,3 milhões de pessoas e uma taxa de 40,8% no segundo trimestre do ano.
Dentre as categorias da informalidade, a de conta própria foi a que mais cresceu: 25,2 milhões, recorde da série histórica, com altas de 4,7% (mais 1,1 milhão de pessoas) ante o trimestre anterior e de 17,6% (3,8 milhões de pessoas a mais) na comparação anual.
“O trabalho por conta própria tem sido a forma que mais pessoas estão encontrando de ingressar no mercado de trabalho. Em outros momentos de crise, a gente já havia observado que essa categoria é a primeira a ser afetada, mas também a primeira a começar a reagir”, diz a pesquisadora.
Consequência direta da falta de trabalho e da baixa remuneração dos postos disponíveis, a parcela de famílias endividadas em setembro registrou patamar recorde na Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). A fatia de endividados ficou em 74% no mês passado, superior à de agosto (72,9%), à de setembro de 2020 (67,2%), e recorde para a série histórica iniciada em 2010.
Em comunicado sobre a Peic, Izis Ferreira, economista da CNC responsável pela pesquisa, explicou que, na prática, o brasileiro está usando crédito para compor renda e, assim, fechar as contas no fim do mês. O uso do cartão de crédito, por exemplo, foi citado por 84,6% do total de famílias com dívidas, fatia também recorde na pesquisa.
“Apesar da facilidade de acesso ao crédito em geral e no cartão, o aumento dos juros está em curso e tende a encarecer as dívidas e demais despesas em aberto. O recente aumento da alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), mesmo que temporário, acirra ainda mais esse custo”, afirmou a economista.
Da Redação