Em meio à pandemia, enquanto o Ministério da Saúde nomeia veterinário para programa de imunização, o Ministério da Economia mantém a asfixia sobre os recursos orçamentários da saúde. A retomada do teto de gasto e, em especial, do congelamento do piso de aplicação de saúde, implicará enorme perda para o SUS em 2021. A proposta de orçamento apresentada nesta segunda-feira, 31, tenta congelar uma situação insustentável no pós-pandemia.
O orçamento proposto para o Ministério da Saúde, já incluindo emendas parlamentares, é de R$ 136,8 bilhões, segundo o Ministério da Economia. Isso significa R$ 38 bilhões a menos do que os valores autorizados em 2020, incluindo o recurso da pandemia (R$ 174,8 bilhões).
Usando o conceito legal de ações e serviços públicos de saúde (o que é contabilizado nos valores mínimos obrigatórios de saúde e exclui, por exemplo, gastos com inativos), a proposta orçamentária foi encaminhada em torno do piso congelado da Emenda Constitucional 95, de R$ 123,8 bilhões. Ou seja, mais de R$ 35 bilhões abaixo do valor de 2020.
A perda destes recursos resultará em graves prejuízos para a saúde pública e para a vida dos brasileiros, alerta o economista Bruno Moretti, assessor da liderança do PT no Senado Federal. “Os recursos poderiam ser utilizados, por exemplo, no financiamento da manutenção dos 20 mil leitos abertos por estados e municípios na pandemia”, defende ele.
O SUS dispõe apenas de cerca de 1 leito de UTI para cada 10 mil habitantes e há menos leitos públicos que privados, ainda que o setor privado só atenda a ¼ da população e o SUS seja universal, esclarece Moretti. Ou seja, de acordo com ele, há enorme desigualdade no acesso à saúde.
Investimentos necessários
O economista ainda enumera uma série de necessidades e iniciativas que poderiam ser cobertas pelos recursos sonegados pelo governo. Segundo ele, poderia financiar o desenvolvimento de produtos estratégicos de saúde relacionados à Covid 19. A pandemia evidenciou a fragilidade do país no setor.
Também poderia financiar a estruturação do Complexo Econômico e Industrial da Saúde, tendo em vista a indisponibilidade de produtos estratégicos de saúde, conforme mostrou a pandemia em relação a medicamento de UTI, respiradores, testes, entre outros.
Outra urgência que necessitará de recursos é o aumento da demanda pelos serviços do SUS, lembra Moretti. Cerca de 4 milhões de pessoas perderam acesso à saúde suplementar por conta da crise econômica. Esse processo ocorre desde 2105 e se agravou com a pandemia.
Ainda, os recursos seriam fundamentais para financiar a recomposição do Programa Nacional de Imunização, que perdeu mais de R$ 800 milhões de 2019 para 2020. E também para recompor o orçamento de aquisições de insumos (medicamentos, vacinas etc.), impactado pela desvalorização do câmbio.
Não faltam recursos
O investimento em saúde é uma saída para a retomada da economia, alerta o economista. O setor da saúde representa quase 10% do PIB, de acordo com ele. Desabilitar leitos e deixar de investir em produtos estratégicos de saúde vai impactar ainda mais a economia e o mercado de trabalho.
De acordo com Moretti, há recursos disponíveis para financiar a saúde. “Vale lembrar que a pandemia reforçou que não há falta de recursos para investir em saúde e políticas sociais”, diz. No cenário atual, de juros baixos (no Brasil e no resto do mundo) e elevados ativos (reservas), a dívida é sustentável,diz ele.
Agora mesmo, destaca Moretti, o Banco Central está repassando R$ 325 bilhões ao Tesouro, fruto do lucro com a equalização cambial das reservas. Além disso, é possível tomar medidas pelo lado tributário que tributem renda e patrimônio dos mais ricos, vinculando a arrecadação ao financiamento da saúde.
Diante desse quadro, é fundamental na LDO um piso emergencial para a saúde que evite a perda de R$ 35 bilhões e rediscutir o teto de gastos, o que requer alteração constitucional. A falta de espaço fiscal nada tem a ver com ausência de recursos, mas com os limites autoimpostos pelo teto de gastos.