O desgoverno Bolsonaro insiste na queda de braço com o PT e partidos da oposição para manter as chantagens da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 186, a “PEC Emergencial”. Com isso, segue postergando o pagamento de um novo auxílio emergencial para trabalhadores informais enquanto a fome e a miséria avançam pelo país, castigado pelo agravamento da pandemia e pela acelerada deterioração do mercado do trabalho.
Bolsonaro e seu ministro-banqueiro da Economia, Paulo Guedes, persistem na proposta de pagar de três a quatro parcelas de R$ 250, a 32 milhões de pessoas, em troca da aprovação do relatório do senador Márcio Bittar (MDB-AC), que uniu o cerne da PEC Emergencial ao do Pacto Federativo. O texto acaba com investimentos mínimos obrigatórios em saúde e educação, congela salários de servidores de todos os entes da Federação e incentiva privatizações a toque de caixa, entre outras maldades.
“Do jeito que está, o governo faz de uma tacada só a reforma administrativa, mexe com a estrutura da Federação e tenta impor o chamado teto de gastos para municípios e estados. Somos radicalmente contra!”, afirmou o líder da bancada do PT no Senado Federal, Paulo Rocha (PA), em entrevista ao ‘Uol’ nesta quinta (25).
“Bolsonaro se aproveita de um momento de emergência, que é reivindicação da sociedade, para empurrar no meio um conjunto de reformas que está pretendendo fazer há algum tempo”, alerta Rocha, que coordenou a mobilização de movimentos sociais junto ao Senado para exigir o debate do projeto com a sociedade.
Contrários à proposta do governo, os senadores petistas apresentaram emenda substitutiva global à PEC Emergencial. No texto está apenas o conteúdo relativo à extensão do pagamento do auxílio para os mais afetados pela pandemia, sem vinculação a nenhuma outra condição, reforma ou congelamento de gastos públicos.
A bancada do PT defende que um auxílio de R$ 600 deverá ser pago por mais seis meses, a partir da promulgação da PEC. Além disso, o pagamento do benefício poderá ser estendido conforme a evolução da pandemia e da cobertura vacinal em todo o país.
Sobre a conduta de parlamentares governistas, que têm pressionado a oposição alegando que seu posicionamento pode atrasar o benefício, o senador afirmou que “se o governo quiser, não existe atraso” na aprovação da PEC emergencial. “Não venham dizer que está atrasando o pagamento do auxílio por causa da oposição que é contra a PEC. Estamos propondo saídas. O governo tem que buscar em suas próprias contas como resolver esse problema, como o uso dos fundos públicos”, sugere.
“É importante dar um dado para vocês: a conta única do Tesouro Nacional fechou em 2020 com saldo equivalente a 19,6% do PIB (Produto Interno Bruto). Isso representa R$ 1,4 trilhão, afastando a tese de que está faltando recursos”, finalizou o senador.
Mais de 60% dos brasileiros querem novo auxílio
Uma pesquisa da Exame Invest Pro, braço de análise de investimentos da revista ‘Exame’, com o Instituto Idea, apontou que 64% dos brasileiros acham que a condição financeira em que se encontram é motivo para receber um novo auxílio emergencial.
Entre os mais pobres, a necessidade é maior: 81% dos que ganham até um salário mínimo declaram precisar do benefício. Enquanto 53% defendem que a parcela tem de ser de R$ 600, 19% acham que o pagamento pode ser de R$ 300.
“Em termos econômicos, o desemprego (14,1%) e a baixa perspectiva de recuperação da renda das famílias apontam para um cenário de aumento da demanda pelo auxílio. Os índices mais altos figuram entre os mais pobres e os que vivem na região Norte (78%). Nesses segmentos, a situação é bem grave”, explica Maurício Moura, fundador do Idea.
Com o fim do auxílio emergencial, em dezembro passado, 12,8% dos brasileiros passaram a viver em janeiro com menos de R$ 246 ao mês (R$ 8,20 ao dia), linha de pobreza extrema calculada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) Social a partir de dados das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (Pnads) Contínua e Covid-19.
No total, segundo projeção da instituição, estão nessa condição quase 27 milhões de pessoas – mais que a população da Austrália. A taxa neste começo de década é maior que a do início da anterior (12,4%), em 2011, e que a de 2019 (11%).
Os professores da FGV Lauro Gonzalez e Leonardo Oliveira estimam que a renda dos trabalhadores informais e a dos que não recebem Bolsa Família nem Benefício de Prestação Continuada (BPC), os “invisíveis” de Paulo Guedes, pode cair até 37% sem um novo auxílio. Mesmo com a concessão do benefício, a renda ainda pode ficar praticamente inalterada para esse grupo de trabalhadores, conforme o valor pago.
Se o auxílio for de R$ 200, por exemplo, os invisíveis teriam alta na renda de 5% (homens) a 11% (mulheres). No caso dos informais, as variações seriam de -2% e +2%, respectivamente. Sem os R$ 200, as quedas ficariam entre 28% (mulheres dentro da categoria invisíveis) e 37% (mulheres no grupo informais). Para os homens, as perdas seriam de 23% e 30%, respectivamente. Se o auxílio for de R$ 250, o aumento de renda seria de 18% a 23% (homens e mulheres invisíveis, respectivamente) e de 17% a 25% (homens e mulheres informais, respectivamente).
Outro estudo da FGV aponta que mais de 745 mil pessoas passaram a viver na pobreza no estado do Rio de Janeiro. O número é o equivalente à soma das populações dos municípios de Niterói, na Região Metropolitana, e Magé, na Baixada Fluminense.
O levantamento mostra que, antes da pandemia, cerca de 980 mil pessoas viviam com menos de R$ 246 por mês. O estudo da FGV Social mostra que projeção para fevereiro é que o número de pobres no estado chegue a 1,7 milhão, ou 10,5% da população. Os dados mostram ainda que no Rio a renda do trabalho caiu 18,6%, e 15,5% desse total correspondem a fechamentos de postos de trabalho.
“O Rio de Janeiro vinha num processo de deterioração econômica, mas a gente não fez ajustes durante os anos de crise. Então, agora a ficha caiu. A gente vê um grande aumento de pobreza. São 745 mil novos pobres, que não existiam antes da pandemia e agora estão presentes”, afirmou Marcelo Neri, pesquisador da FGV, ao portal ‘G1’.
Falências, fome e falta de perspectiva
O fim do auxílio emergencial também afeta diretamente a sobrevivência das pequenas e microempresas. O pagamento do benefício custou cerca de R$ 322 bilhões. Grande parte desse valor (R$ 200 bilhões) foi injetada em pequenos negócios, notadamente no comércio formado por mercados, feiras, lojas, restaurantes, bares e outros serviços.
“O auxílio não se restringe ao bolso de quem o recebe, ele faz circular o dinheiro na economia”, diz Lauro Gonzalez, coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV. “Embora não tenhamos o mesmo nível de fechamento das atividades de 2020, o fato é que a pandemia continua afetando a economia.”
Uma quebradeira ainda maior dos pequenos negócios irá privilegiar as grandes empresas e aumentar o abismo entre ricos e pobres. Em 2021, o varejo será o setor mais afetado, com perdas que podem superar R$ 190 bilhões em vendas, pontua Gonzalez.
“Eu não descarto que 2021 seja pior que 2020, mesmo com algum auxílio emergencial, que já vai ser menor”, disse o assessor econômico da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio – SP), Altamiro Carvalho.
A entidade Ação da Cidadania estima que a fome atinge hoje mais de 10 milhões de brasileiros. A ONG lançou campanha para doação de mais alimentos e cobra medidas de redução das desigualdades ainda mais expostas com a pandemia: mais investimentos em políticas sociais e a reforma tributária.
“A maior tragédia de um povo é saber que parte dele passa fome. A fome, que achamos que estava fora da agenda nacional, voltou com força”, observa o filósofo José Antônio Moroni, integrante do colegiado de gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e coordenador da Campanha Renda Básica que Queremos, que reúne mais de 250 organizações e movimentos.
Ele explica que esse quadro é causado não somente pela pandemia de Covid-19, mas pela opção de se manter uma crise econômica. “Sim, algumas pessoas e grupos lucram e muito com as crises. Basta ver o lucro dos bancos”, ressalta o filósofo.
“O governo gastou com o auxílio R$ 322 bilhões e beneficiou diretamente mais de 68 milhões de pessoas e, indiretamente, mais de 100 milhões. E esse dinheiro retornou para a economia real. Para o sistema financeiro, o governo disponibilizou R$ 1,2 trilhão. Beneficiou quantas famílias? Não cabem na palma da mão. Esse recurso ficou alimentando a ciranda financeira”, compara.
“Estamos lidando com um governo de psicopatas que fez de tudo para não ter o auxílio e, em caso de o ter, conceder um valor extremamente baixo e com acesso extremamente complexo. Então, este governo, nunca quis e não quer agora o auxílio. Temos um governo genocida e que tem fetiche pela morte. A forma como ele faz a gestão da pandemia tem a ver com estes pilares. É um governo que diz uma coisa no almoço e outra no café da tarde”, ataca Moroni.
O presidente da Central Única das Favelas (Cufa), Preto Zezé, aponta a falta de perspectiva como um grande problema nas comunidades. “O cara trabalhador, pobre, de favela, ele está ali acreditando que vai virar o jogo, tem perspectiva de que algo vá mudar a seu favor. Ele está jogando esse jogo mesmo sendo injusto e desigual. Mas na medida em que não tenho perspectiva, horizonte, as condições ficam bem mais tensas e bem mais complicadas”, descreveu em entrevista ao Instituto Humanitas.
Zezé aponta que não há “um projeto de tirar os pobres da recessão”, enquanto se pensa em benefícios para empresas. “Até aqui, você não teve saque, quebra-quebra nem nada, mas a situação está se agravando. Meu Deus do céu, não gosto nem de pensar nesse cenário. E aí tem uma questão séria: o mundo político, as elites econômicas do país, ou elas compartilham as riquezas nesse momento ou nós vamos todos compartilhar as tragédias que a concentração dessa riqueza gera”, concluiu o líder comunitário.
Da Redação.