Um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e da Unicef traça um cenário sombrio no país, onde pelo menos 7 mil crianças e adolescentes, a cada ano, perdem suas vidas. Em cinco anos, pelo menos 35 mil crianças e adolescentes foram assassinados. O isolamento social com a pandemia da Covid-19 e o aumento na circulação de armas – incentivado pelo governo de Bolsonaro – contribuíram para o aumento de mortes na primeira infância.
Entre 2016 e 2020, o número de crianças mortas com até quatro anos cresceu 27%, passando de 112 para 142, sendo que em quase 90% dos casos de mortes, o autor é alguém conhecido da vítima.
Conforme a coordenadora do Panorama, Sofia Reinac, em 2020, as medidas de isolamento social afetaram mais as crianças que ficaram fora da escola.
“Então, a criança ficou mais exposta ao agressor, mais exposta à violência doméstica. Não podemos ignorar isso”, disse.
Esse aumento da violência na primeira foi causado, especialmente, segundo o estudo, pelo aumento de mortes por armas de fogo nessa faixa etária. O Brasil dobrou o número de armas nas mãos de civis em apenas três anos, de acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado em julho.
Mortes intencionais
Os dados alarmantes comprovam ainda que a cada dois dias, uma criança de até 9 nos é morta intencionalmente. As mortes violentas intencionais ou assassinatos englobam os crimes: homicídio doloso, feminicídio, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e mortes decorrentes de intervenção policial (em serviço ou fora).
Para a deputada federal e defensora dos direitos humanos, Maria do Rosário (PT/RS), os brasileiros e brasileiras têm o desafio de interromper o ciclo violento que cresce a cada dia no país e que somente um governo que prioriza as crianças e adolescentes podem mudar esse cenário.
“É um dado assustador e, infelizmente, condizente com a escalada de violência e de destruição das políticas públicas nos últimos anos, com meninas e meninos sujeitos às condições de pobreza, desigualdade e violência. Justamente quando deveriam estar sob proteção da família, escola e comunidade, é quando as balas as alcançam, ou quando a violência doméstica é fatal. Onde estão as redes de proteção desmanteladas deliberadamente? Cadê os recursos para aparelhar o Conselhos Tutelares e as políticas de prevenção a violência? Este dado revela um projeto de extermínio de parcelas de uma geração”.
O Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes fez uma análise dos boletins de ocorrência das 27 unidades da federação, o primeiro com série histórica. Mais de 31 mil vítimas tinham idade entre 15 e 19 anos.
Negros e negras
O futuro dessas crianças é interrompido dentro de casa. A pesquisa aponta que pelo menos 40% delas, com até nove anos, foram mortas dentro do próprio lar, sendo que 56% eram negras e 33% meninas.
A falta de combate ao racismo estrutural no Brasil permanece tirando a vida da população negra brasileira. Meninos negros foram a maioria das vítimas em todas as faixas etárias e à medida que a idade avança, a prevalência do grupo se intensifica, chegando a quatro em cada cinco entre vítimas de 15 a 19 anos: 90% eram meninos e 80% negros.
O secretário Nacional de Combate ao Racismo do Partido dos Trabalhadores (PT), Martvs Chagas, enfatiza que é preciso criar as condições para que essa situação não se torne apenas um diagnóstico e “que em um futuro governo democrático e popular, ações para reverter esse quadro devem ser colocadas como prioridade absoluta: trata-se do princípio humano do direito à vida”.
“Uma triste realidade que já acometia a juventude negra e agora atinge nossas crianças. Uma inversão cruel da linha da vida humana, onde mulheres negras enterram seus filhos, quando na verdade deveria ser o contrário, ou seja, os filhos enterrarem seus pais”.
Tratamento antirracista
A coordenadora do NAPP de Igualdade Racial da Fundação Perseu Abramo (FPA) e ex-ministra da Igualdade Racial, Nilma Lino Gomes, afirma que “um país que extermina crianças e adolescentes já está morto”, título de um artigo dela e de Cristina Teodoro, recentemente publicado.
“O Brasil está literalmente exterminando o seu presente e o seu futuro. Se não implementarmos políticas públicas urgentes e um tratamento radical, democrático e antirracista a essa situação para que nossas crianças e adolescentes, em especial, as negras e os negros, vivam (e sobrevivam) com dignidade, estamos decretando a nossa inviabilidade social. Não há sociedade viável quando se mata e se despreza crianças e adolescentes principalmente os pobres e negros”, ressalta.
Para Nilma Lino, “retirar a extrema direita do poder, democratizar o sistema de justiça e combater o adultocentrismo e o racismo arraigados em nossa estrutura social é uma urgência”.
Dados da pesquisa
Crianças de até 9 anos
- 56% eram negras
- 33% eram meninas
- 40% morreram dentro de casa
Adolescente de 15 a 19 anos
- 90% são meninos
- 80% são negros
Da Redação, com informações do G1