Em resolução aprovada no 7º Encontro Nacional do PT (1990) que formula o “Socialismo Petista”, o partido verbalizou uma crítica contundente às correntes socialdemocratas:
As correntes socialdemocratas não apresentam, hoje, nenhuma perspectiva real de superação histórica do capitalismo. Elas já acreditaram, equivocadamente, que a partir dos governos e instituições do Estado, sobretudo o parlamento, sem a mobilização das massas pela base, seria possível chegar ao socialismo. Confiavam na neutralidade da máquina do Estado e na compatibilidade da eficiência capitalista com uma transição tranquila para outra lógica econômica e social. Com o tempo, deixaram de acreditar, inclusive, na possibilidade de uma transição parlamentar ao socialismo e abandonaram não a via parlamentar, mas o próprio socialismo. O diálogo crítico com tais correntes de massa é, com certeza, útil à luta dos trabalhadores em escala mundial. Todavia seu projeto ideológico não corresponde à convicção anticapitalista nem aos objetivos emancipatórios do PT.
Desde então, o PT ampliou gradativamente sua presença na institucionalidade, impondo uma derrota estratégica às forças neoliberais em 2002, com a eleição de Lula presidente. Estava iniciado o ciclo de governos progressistas na América Latina com Hugo Chávez, na Venezuela; Lula, no Brasil; Néstor Kirchner, na Argentina e Evo Morales, na Bolívia, responsável por ampliar direitos sociais, reduzir a pobreza, fortalecer a integração latino-americana e fomentar a construção de um mundo multipolar.
Durante os governos Lula e Dilma, entretanto, o fragmento da mencionada resolução de 1990 foi sendo progressivamente esquecido ou ignorado em função da conciliação de classes, que norteou a política de alianças do PT e o modo petista de governar. A palavra socialismo foi sendo aos poucos eliminada do vocabulário de dirigentes e parlamentares, embora não tenha sido totalmente apagada das resoluções partidárias. A tarefa de impor derrotas estratégicas às classes dominantes via reformas populares foi sendo conscientemente postergada para um futuro remoto, assim como a tarefa de mobilizar e organizar a classe trabalhadora. A confiança na neutralidade do Estado e em um suposto republicanismo tupiniquim nos impôs derrotas amargas, dentre elas o golpe de Estado consumado em agosto de 2016. A capitulação programática foi por vezes superada pela capitulação no terreno da ética, o que contribuiu para descaracterizar ainda mais a identidade partidária.
O golpe de Estado deveria funcionar para nós como um choque de realidade. As classes dominantes e suas organizações políticas demonstraram mais uma vez que não têm nenhum compromisso com a democracia e com os direitos sociais. Em pouco mais de seis meses encaminharam ao Congresso Nacional propostas que desconstroem o pacto social inscrito na Constituição de 1988 e na Consolidação das Leis do Trabalho, fazendo o Brasil retroceder à República Velha. A criminalização da política, da luta popular e a caçada jurídico-midiática empreendida contra o ex-presidente Lula também são sintomas do acirramento da disputa de classes.
É nesse ambiente que se darão as eleições das mesas diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. É nesse ambiente que o PT será mais uma vez desafiado a se reencontrar com sua história.
Aqueles companheiros e companheiras de partido que buscam argumentos para justificar uma composição com setores que protagonizaram o golpe de Estado, como forma de garantir a presença do PT nas mesas diretoras do Parlamento e na presidência de comissões permanentes consideradas importantes, afirmam que ocupar tais espaços é fundamental para travar a disputa contra a reforma da previdência, a reforma trabalhista, a reforma do ensino médio e demais medidas que compõem o pacote de maldades do governo ilegítimo. Reconhecem, entretanto, que os espaços que ocupamos nas mesas diretoras da Câmara e do Senado, assim como a presidência de comissões permanentes, serviram no máximo para retardar em alguns dias a aprovação de matérias como a PEC 55/2016, que congela os investimentos públicos por duas décadas, e o PL 4567/2016, que altera o marco regulatório do pré-sal, sendo completamente insuficientes para evitar as constantes violações regimentais e garantir a democracia interna do Parlamento.
Afirmam ainda que não podemos nos isolar politicamente, esquecendo que o Parlamento consumou um impeachment sem a existência de crime de responsabilidade, que o Parlamento está destruindo o legado social construído com muita luta nas últimas décadas e que a esquerda já está completamente isolada no interior do Parlamento, independente de ocupar cargos nas mesas diretoras e presidir comissões permanentes. Uma composição com setores que protagonizaram o golpe de Estado nas eleições das mesas diretoras da Câmara e do Senado não resolve o problema do isolamento da esquerda no Parlamento e ainda agrava o isolamento do PT, pois divide a bancada da oposição ao governo golpista e contribui para distanciar o partido cada vez mais de sua militância e de sua base social, enfraquecendo a única trincheira de luta que pode de fato conter o avanço conservador e conquistar as eleições diretas: a trincheira da luta popular.
No Manifesto de Fundação do PT (1980), o partido “afirma seu compromisso com a democracia plena e exercida diretamente pelas massas” e estabelece “que sua participação em eleições e suas atividades parlamentares se subordinarão ao objetivo de organizar as massas exploradas e suas lutas”. Uma composição com setores que protagonizaram o golpe de Estado e que protagonizam a restauração neoliberal nas eleições das mesas diretoras da Câmara e do Senado não contribui para organizar as lutas do povo, apenas aprofunda o processo de descaracterização da identidade petista.
No último dia 20 de janeiro, o Diretório Nacional do PT aprovou, por 45 votos a 30, uma resolução equivocada. Primeiro, por terceirizar para suas bancadas uma deliberação que, dada a sua importância, deveria ser tomada pela direção nacional do partido. Segundo, por permitir que as bancadas do PT façam qualquer tipo de composição para assegurar espaços nas mesas diretoras da Câmara e do Senado e nas comissões permanentes.
Se em um momento de ruptura democrática a nossa opção for pela conciliação e pela negociação em detrimento da disputa política, tudo indica que estaremos aderindo definitivamente à socialdemocracia e abandonando qualquer perspectiva real de superação histórica do capitalismo, na contramão do socialismo petista.
Chegou a hora de rever o vocabulário e o conteúdo de nossa luta. Coerência não pode se confundir com principismo; criticidade não pode se confundir com sectarismo; isolamento não deve remeter à capitulação. Às vésperas do 6º Congresso Nacional do PT, temos o desafio e a oportunidade de reinventar o PT enquanto instrumento de luta da classe trabalhadora e alternativa classista de poder. É exatamente isso que amedronta as classes dominantes e o oligopólio da mídia.
Bruno Costa, militante do PT e integrante da Assessoria da Liderança da Oposição no Senado Federal, para a Tribuna de Debates do 6º Congresso. Saiba como participar.