“Convocamos todas as organizações sociais, populares e progressistas para se somarem à campanha ‘Revida Mariana – Justiça para limpar essa lama’ que já tem apoio de mais de 100 entidades nacionais e internacionais. Muitas barragens ainda estão em risco e precisamos ter atitudes firmes em relação à punição exemplar das empresas que cometeram crime”, conclamou no Jornal PT Brasil desta sexta-feira (22) Joceli Andrioli. Ele é coordenador do movimento lançado na quarta-feira (20) que busca a reparação integral às famílias de Mariana vítimas do rompimento em 2015 da barragem de Fundão.
O maior desastre socioambiental do país fez 19 vítimas, atingiu mais de um milhão de pessoas em 46 municípios, destruiu 1.469 hectares de vegetação, contaminou 700 km do Rio Doce com 56 milhões de metros cúbicos de rejeitos e mais de 300 km do litoral capixaba.
A campanha Revida Mariana foi lançada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) durante o I Encontro Internacional de Energias Comunitárias, em Bogotá na Colômbia, onde há escritório da BHP, mineradora anglo-australiana que era sócia da Vale na Samarco quando houve o rompimento da barragem em Mariana.
“É um tema que interessa a todo o povo brasileiro. A barragem rompeu há oito anos e a cada ano esse crime se renova. O nome Revida tem o significado de contrapor o nome Renova que foi a empresa montada pelas empresas criminosas Vale e BHP, através da Samarco, em que elas controlam o processo de reparação”, denunciou Andrioli. Ele afirmou que a grande maioria dos atingidos não receberam indenizações, o rio continua contaminado porque a cada ano, com as cheias, a contaminação volta.
“É possível matar dezenas de pessoas, arrasar a vida de outras milhares, contaminar um rio, destruir a fauna e a flora em mais de 46 cidades e ainda assim ficar impune? Conheça e compartilhe histórias do maior desastre socioambiental do nosso país”, diz o site da campanha www.revida.com.br que traz uma série de peças e vídeos produzidos para as redes sociais, imprensa e formadores de opinião onde é exposta a realidade devastadora do desastre de responsabilidade das mineradoras.
Os vídeos podem ser baixados e compartilhados e trazem depoimentos que mostram o sofrimento de quem perdeu tudo, casa, parentes e animais de estimação varridos pela lama tóxica, além da fala de sobreviventes que escaparam da morte. As peças da campanha também abordam o desespero de indígenas e ribeirinhos às margens do Rio Doce que segue morto e deixa famílias sem sustento. Estão previstas várias ações em Minas Gerais, no Espírito Santo e na Bahia, estados mais atingidos pelo mar de lama.
O Revida tem o objetivo de fazer o contraponto e de “trazer a vida, reviver a esperança, reviver a luta, reviver o nosso sonho de uma reparação integral”, salientou Andrioli, que explicou que há uma tentativa de acordo conduzido pelo Judiciário, pelo TRF-6, com os governos do Espírito Santo, Minas Gerais e da União, mas está sendo negada a participação dos atingidos.
“A campanha vem para chamar atenção para o fato de que as vítimas não estão sendo contempladas nesse debate. A sociedade precisa entender a questão e somar forças para conseguirmos a reparação integral”, ressaltou.
Indenizações mal feitas e propaganda enganosa das mineradoras
A cada ano o que se renova é o sofrimento de quem vive na área afetada pelo rompimento da barragem. De novembro a janeiro as chuvas fazem com que a lama contaminada com metais pesados se alastre novamente. “Todo ano o crime se renova, acabando com a pesca, com a agricultura familiar, destruindo comunidades tradicionais. Até hoje essas famílias não foram reassentadas, oito anos depois não tem o que explicar a não ser a má fé das empresas”, apontou Andrioli, ao falar da forte propaganda das mineradoras sobre um processo de reassentamento que nem começou a ser construído.
“As indenizações foram muito mal feitas, a grande maioria foi insuficiente, as empresas dizem que já indenizaram 400 mil pessoas, mas indenizou parcialmente”, denunciou o coordenador da Revida ao relatar que as famílias estão com sérios problemas de saúde pela contaminação do rio cuja água contamina as pessoas e as plantações. “Há estudos que mostram que muita gente está com metal pesado no sangue, fruto desse crime. A situação das famílias oito anos depois é de extremo abandono”, sentenciou.
A campanha, segundo ele, traz de volta uma Mariana que foi caindo no esquecimento. “Num primeiro momento houve muita comoção. Agora as empresas dominam através de muito dinheiro em propaganda, criando uma imagem falsa de uma reparação que ainda não chegou.
O fato de não haver punição, na opinião de Andrioli, vai abrindo precedentes para novos crimes como em Brumadinho pois o país não tem política de segurança adequada para os que estão nas áreas de risco. “Temos grandes bombas instaladas em nosso país como é o caso de uma barragem na região de Paracatu, próximo de Brasília, a maior barragem de rejeito de ouro do mundo a céu aberto. Se ela romper, acaba com o rio São Francisco. Serão mais de 40 milhões de brasileiros sem água”, denunciou Andrioli ao contar que em Minas há centenas de barragem em risco.
“O grande problema é que a maioria das mais de 24 mil barragens, de acordo com a Agência Nacional de Águas, não tem estudo, não tem fiscalização, não são consideradas barragens de risco porque não tem nenhuma informação”, ressaltou ao citar o rompimento recente de barragens no sul do país.
Ouça a entrevista na Rádio PT:
“Quem controla tudo são as empresas, foi provado que a Vale comprou laudos pra dizer que estava tudo bem. A empresa alemã TuvSud foi comprada para dar laudo falso sobre a segurança das barragens”, lembrou. Para ele, com seu poder econômico, as empresas tem influência muito grande no judiciário brasileiro, “que até agora não conseguiu dar conta do recado, tanto que até agora ninguém foi condenado, ninguém foi preso por causa desse massacre em Brumadinho e em Mariana”.
Ação internacional inédita é esperança de justiça
Há expectativa, segundo Andrioli, de condenação dos responsáveis fora do Brasil. Os atingidos resolveram entrar com ação em Londres, numa ação que tá sendo conduzida por um escritório inglês.
“São quase 700 mil pessoas, 46 municípios e mais de 2500 empresas, entidades e igrejas que reivindicam seu direito à reparação. É uma ação inédita no mundo, uma das maiores e que foi aceita pelo judiciário da Inglaterra, visto que a BHP Billiton tem a sede lá, ela tem uma filial aqui que remete os lucros”, explicou Andrioli. A Vale também está no processo com julgamento marcado para outubro de 2024.
“Esperamos ter a condenação e isso será um aviso às transnacionais. O Brasil não é mais uma colônia que as empresas fazem o que querem e cometem crime sem pagar a conta. O MAB tem debatido na ONU e com várias entidades para criar um marco regulatório internacional de controle dessas empresas para que não cometam crimes como esse caso da BHP aqui no Brasil”.
As empresas, segundo Andrioli, estão muito confortáveis porque elas conduzem a reparação através da Renova. “Elas criam um esquema de propaganda aqui no Brasil para dizer que está tudo bem, que está tudo feito, que já indenizou todo mundo e isso é mentira”.
No segundo turno da eleição de 2022 houve um “complô” entre Zema e Bolsonaro para um acordo em Brumadinho, sem a participação dos atingidos e que, segundo Andrioli, “pegaram um monte de dinheiro e botaram pra outras finalidades que não a de reparação”.
Da Redação