É preciso nova política de mineração para garantir soberania nacional

A mineração inserida em um projeto de desenvolvimento com sustentabilidade foi tema do segundo encontro de um ciclo de debates promovido pela Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento do PT e da Fundação Perseu Abramo (FPA)

Site do PT

Nova política de mineração com fertilizantes naturais pode garantir soberania nacional

Com fertilizantes naturais, os remineralizadores, uma nova política de mineração sem poluir o meio ambiente pode garantir a soberania nacional. O tema foi debatido no segundo encontro de um ciclo de debates, realizado último dia 24. O evento é promovido pela Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento (SMAD) do PT e pela Fundação Perseu Abramo (FPA), com apoio da Escola Nacional de Formação.

O geólogo Cláudio Scliar começou o debate arguindo o que significa “sustentável”, uma vez que foi um termo apropriado pelo mundo empresarial e muitas vezes desvirtuado. Esse conceito deve contribuir para a organização dos trabalhadores com formação crítica. Ele alertou que as questões, compromissos e propostas para um programa de esquerda para a presidência da república deve estar também com os programas e compromissos de deputados, senadores e governadores.

Sciliar identificou que os grandes riscos para uma mineração sustentável, responsável e soberana para o Brasil são a destruição da capacidade de atuação do Estado, da política de ciência e tecnologia e da legislação ambiental. Ele apontou a PEC 32 como uma emenda à constituição com “o objetivo de avançar do Estado Mínimo no Brasil, reduzir o Estado, objetivo fundamental para o neoliberalismo.

“Felizmente o governo não conseguiu passar a PEC 32 no Congresso, que teria o efeito de destruir o Estado, com a não realização de concursos e esvaziamento de órgãos federais, estaduais e municipais, comprometendo os instrumentos de controle, planejamento, fiscalização das atividades minerais, com a redução da capacidade de atuação dos órgãos. Não aprovaram a PEC, mas mesmo assim o governo já afetou a atuação desses órgãos”.

O geólogo ressalta que para termos uma política ambiental séria precisamos do servidor que possa fiscalizar, exigir o cumprimento das leis e das garantias ambientais. Por outro lado, o Brasil não tem um percentual de servidores públicos alto, está bem abaixo da média da OCDE, e mesmo assim não se realizam concursos públicos, capacitação, nem se ofertam bons salários.

A mineração é essencial

Na opinião do gestor público dos governos Lula e Dilma, “a mineração é essencial, mas os interesses empresariais se sobrepuseram e tentaram influenciar a legislação ambiental, com flexibilização de leis que foram conquistadas ao longo das décadas, desde a Constituinte de 1988, e destruição da capacidade de fiscalização, planejamento, avaliação da política de mineração, como por exemplo com o esvaziamento do Instituto Geológico Brasileiro. O fortalecimento do Estado deve servir às necessidades do povo brasileiro, e não ao empresário.”

O geólogo questiona a indicação de 28 minerais estratégicos para o Brasil, flexibilizando o licenciamento ambiental da exploração, com implantação de projetos de minerais estratégicos. Em fevereiro, o PT se mobilizou contra a agenda de devastação ambiental do governo Bolsonaro. Ele, além de ameaçar abrir terras indígenas para grandes empreendimentos, trabalha para aflouxar o licenciamento ambiental.

Para Sciliar, a prioridade deve ser dada pela Agência de Mineração e pela CPRM, mas precisa-se de ter transparência nesses licenciamentos. Ao mesmo tempo, o governo hoje discute um Plano Nacional de Mineração 2050, com uma portaria do ministério que criou um GT para terminar o trabalho em 3.11.2021, entretanto existe um plano de mineração 2030 feito no governo Dilma que está em vigência, e a elaboração desse para 2050 é sem participação popular, durante a pandemia e agora na campanha eleitoral.

Cláudio salienta que se deve ter uma outra política de mineração, com transparência e participação popular.

“Não pode deixar de haver um Conselho Nacional de Política Mineral (popular, soberano), com prioridade para a mineração, que escuta e decida. Este deve trabalhar contra a mineração clandestina e criminosa, tanto dos grandes quanto dos pequenos e ser uma força no trabalho de apoio aos trabalhadores, que estão na legalidade ou querendo ser legalizados pois não há esse apoio à produção doméstica dos pequenos mineradores do Brasil”.

Redução de recursos

A redução de recursos para a pesquisa, em órgãos como Capes e CNPQ, afeta o presente e o futuro do Brasil, segundo o especialista. El afirma que a falta de investimento em pesquisa afeta o coração da mineração, que depende de novas tecnologias para a exploração e para a proteção ambiental.

“A redução de investimento na Ciência é um dos maiores crimes perpetrados contra o Brasil”.

Remineralizadores de solo

Suzi Theodoro, professora da Universidade de Brasília (UnB), trabalha desde os governos do PT com os remineralizadores de solo, num vínculo a ser construído entre o setor mineral e agrícola para garantir a soberania nacional com fertilizantes minerais e proteção ao meio ambiente. Ela afirma que o Brasil é um dos maiores exportadores de produtos pouco ou não processados e que “somos grandes importadores de insumos industrializados, e nessa categoria de importadores somos o quarto maior importador de fertilizantes, cerca de 96% do potássio usado no Brasil é importado”.

“Somos um dos maiores exportadores de produtos semiprocessados: ferro, nióbio, soja, milho, café e grande importador de insumos industrializados, em especial fertilizantes à base de nitrogênio, fósforo e potássio (NPK), sendo o 4º maior importador de fertilizantes solúveis. Hoje, o Canadá, Rússia e Bielorrússia são os principais produtores de potássio(k), e com o conflito do leste europeu, envolvendo os dois últimos, acentuou-se a escassez e nos últimos três anos os preços do k aumentaram cerca de 265%. Com essa situação, a produção agrícola está de joelhos devido ao encarecimento e à guerra com as sanções decorrentes, explica”.

Suzi enfatiza que o governo, em vez de estar construindo alternativas para tornar o país mais autônomo em relação a essas importações, propôs o Projeto de Lei 191, que destruirá as terras indígenas.

“O Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), uma organização nacional privada e sem fins lucrativos que representa as empresas e instituições que atuam no setor mineral, se colocou contra o projeto de lei que libera mineração em terras indígenas, que o governo usa um discurso falso de que o potássio estaria em terras indígenas. Questões técnicas de dificuldade e uso de água que é descartada nesse tipo de exploração, e não tem onde ser descartada, precisariam ser contornadas, e mesmo assim não há potássio nas terras que o projeto procura liberar”.

As pesquisas em Rochagem chegaram à conclusão de que “a remineralização dos solos pode ser entendida como um intemperismo reverso e/ou um banco de nutrientes, que potencializa o uso de fontes disponíveis local ou regionalmente mais baratas e que favoreçam a obtenção de produtos de melhor qualidade nutricional há produtividades asseguradas, custos de aquisição menores e esse processo facilita a recuperação de áreas degradadas e o sequestro e armazenamento de co2 da atmosfera”.

Grandes poluidores

A especialista ressaltou que os fertilizantes tradicionais serão lembrados como grandes poluidores com carbono e na degradação de rios e mares. As fontes convencionais de fertilizantes “tem as características de alta solubilidade, altas concentrações, oferta reduzida de nutrientes, com efeito residual breve/ausente, custos elevados e efeito de salinização dos solos e emissão de gases (NOX e CO2) formadores do efeito estufa. Enquanto isso, os remineralizadores têm baixa solubilidade e baixas concentrações, ampla oferta de nutrientes com efeito residual prolongado e custos reduzidos, além de ser um produto nacional que fortalece o sistema solo-planta-microrganismos e captura e armazena CO2”.

“No confronto entre fontes tradicionais e de remineralização temos um viés ideológico que esconde a superioridade dos remineralizadores, para garantir os lucros dos fertilizantes das fontes tradicionais, mas a alternativa da “Rochagem”, as rochas moídas, com oferta muito ampla de nutrientes, que pode substituir os fertilizantes tradicionais e o impacto ambiental é perfeitamente viável.”

Movimento social pode contribuir

Jarbas Vieira, da Coordenação Nacional do Comitê Nacional de Defesa dos Territórios Frente a Mineração, salientou que o movimento social pode dar uma contribuição mais programática sobre os conflitos da produção da mineração.

Ele destacou que o Projeto Brasil Popular tem um GT sobre mineração que trabalha com Desenvolvimento com sustentabilidade, tema complexo e difícil, sendo que muitas vezes esses dois termos são apresentados como antagônicos, mas se deve avançar num projeto nacional, mas que não seja calcado apenas nos interesses do império.

As mineradoras se caracterizam por ter grande evasão, elisão e sonegação de impostos, e provocam um barateamento dos minérios que não interesse ao Brasil, apenas às potências centrais para as quais nos tornamos apenas fornecedores de minérios brutos. A Lei Kandir precisará ser revista se quisermos ter realmente uma mineração que produza desenvolvimento e distribuição de renda e evitarmos a forte reprimarização da economia

“As taxas e ritmos da exploração mineral no país devem estar subordinados ao provisionamento de recurso para plano de fechamento de minas, o que não existe no Brasil. Muitas minas abandonadas com danos ambientais e sociais estão presentes em território nacional. O crime ocorrido em Mariana não teria acontecido caso ocorresse um provisionamento da taxa máxima de exploração por ano, pois a barragem não aguentava essa aceleração da exploração, com aumento da exploração de força de trabalho e excesso de rejeito produzido.”

Ao lado disso, “deve haver uma consulta livre e breve, informada às comunidades e a proteção às áreas protegidas. Contrariamente a esses princípios mínimos, há medidas do atual governo federal para permitir a flexibilização da exploração mineral sem respeito aos povos indígenas e quilombolas e degradação ambiental.

“O setor da mineração é o que mais mata, contamina e enlouquece os trabalhadores, e com muita terceirização e precarização do trabalho. O objetivo do movimento é melhorar as condições de vida da classe trabalhadora mineira”, explicou Vieira.

Barragens de rejeito

Na visão do Comitê Nacional de Defesa dos Territórios Frente a Mineração, “não se pode permitir mais a constituição de barragens de rejeito. Em MG há 60% das barragens do país e 90% estão em situação de emergência, com sirenes tocando a todo momento e provocando o adoecimento mental das populações. Nem a agência nacional de mineração sabe a quantidade de barragens abandonadas. Não há alternativas para acabar os rompimentos de barragens, para melhorar a qualidade de vida das populações. “

“Precisamos ter um mecanismo e limite para as mineradoras perderem os títulos de funcionamento no Brasil e para o Estado recuperar sua capacidade de gestão. As empresas transformaram o Brasil num grande carrossel para as grandes mineradoras, pois aqui não há uma política firme de controle, fiscalização da legislação, escuta e controle social”.

Terra arrasada

Eduardo Armons, dirigente do Sindicato dos trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada de MG e Presidente da Federação de Trabalhadores Urbanos e Infraestrutura de MG, salientou que num eventual próximo governo Lula pegaremos uma situação de terra arrasada na área ambiental.

“Há um processo intencional de desorganização das atividades produtivas, trabalhando num processo de exploração selvagem, uma herança e realidade de capitalismo de terra arrasada, esvaziamento do Estado e dos movimentos dos trabalhadores. A mineração extrai minérios e retira direitos dos trabalhadores e das comunidades. Uma atividade que não investe em pesquisa e ganha lucro em cima da exploração das pessoas e do meio ambiente”.

Armons lembra que há “setores empresariais organizados, muito bons para fazer discurso sobre empreendedorismo, sustentabilidade, mas na prática apoiam o aumentam da terceirização, da precarização de direitos trabalhistas e da legislação ambiental. Trata-se de mentalidade extrativista atrasada, compondo maioria desse setor. A agenda legislativa da CNI não tem pauta de estímulo à pesquisa científica, mas apenas de retirada de direitos. Por isso mesmo depois da eleição continuaremos a enfrentar esses problemas com a maior parte dos setores empresariais.”

O dirigente sindical dos trabalhadores questiona que “caso queiramos verdadeiramente ter uma lógica para ter um programa que aponte um desenvolvimento sustentável é preciso pegar os dados ambientais e sociais e a produção mineração. Das 68 mil barragens no Brasil, o setor público não sabe nada sobre 60 % e continuaremos a ter outras Marianas e Brumadinhos, barragens sem qualquer rigor técnico nem compromisso com os trabalhadores e as comunidades Nos últimos 10 anos houve em MG pelo menos 5 rompimentos, atingindo 4 grandes rios, Verde, Cataguazes, Doce, Vale do Paraopeba; 300 mortos devido aos rompimentos de barragens, fora outros acidentes, 5 mil pessoas deslocadas e centenas de milhares de atingidos.”

Apesar disso, Eduardo Armons explica que não podemos prescindir da mineração, o processo produtivo em qualquer sistema econômico depende da exploração de minerais e metais para ter indústria, mas é importante ter a noção do que será o atingimento da população e do meio ambiente, a contaminação, o atingimento dos lençóis freáticos, o uso em larga escala de mineriodutos. Deve-se entender para atuar numa proposta alternativa de mineração, com Diagnóstico geral, minorar os impactos, apontar novas situações e alternativas, garantir Tratamento à saúde devido aos impactos e Segurança no trabalho.

Outros países que já trabalham a segurança da população, dos trabalhadores e do meio ambiente não têm a lógica da autodeclaração do empresário para ter autorização de extrair o que quiser e da maneira que quiser; deve haver licença ambiental, respeito a uma legislação ambiental rigorosa. Não se deve entregar a responsabilidade apenas para o Estado, e os movimentos sociais devem ter posicionamentos e ações próprias.

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção pesada informa que “não basta ter os fiscais ambientais, mas precisa da atuação dos sindicatos, com uma mesa nacional de negociação, e os movimentos devem ter voz junto aos empreendimentos e ao governo. É importante apostar na sociedade na formação de cientistas. Realizar uma conferência nacional de mineração para que a política pública efetiva seja assumida com participação popular, como se conseguiu na Saúde e educação. Não resolveremos todos os problemas, mas podemos minorar os impactos e acumular para um novo período com um movimento forte, com associações, sindicatos e Igrejas.”

Ele também fez coro pela extinção da lei Kandir, mas será um esforço legislativo que talvez não consiga ter êxito devido à forte econômica do setor mineral junto ao Congresso. Devemos ligar os impostos de exportação para as áreas/territórios de exploração. Precisa apenas de uma decisão governamental, vinculado a um projeto que faça um levantamento dos impactos ambientais, alternativas para geração de renda para outras atividades minerais estratégicas.

“O Brasil deve priorizar o investimento em ferrovias em vez de mineriodutos, mas sem doar as ferrovias para a Vale do Rio Doce, trabalhar o modal ferroviário para exportação de outros produtos, e diminuir a circulação em rodovias. Precisamos não apenas de uma política mineração, mas de uma política de infraestrutura como um todo um processo de desenvolvimento”.

Para ele, é necessário fazer um mapa das comunidades que vivem a partir da mineração e ter durante a atividade de mineração um planejamento de transição para outras atividades, para que essas comunidades não fiquem em situação de miséria quando a mineração terminar: recuperar o meio ambiente, diminuir o risco e investir em outras atividades.

Da Redação

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