A realidade que as ruas vivem no dia a dia se impõe nas planilhas dos economistas, que a cada pesquisa constatam o agravamento progressivo da insegurança alimentar Brasil afora. Seja pelo alto desemprego, precarização do trabalho e queda de rendimentos, seja pela carestia dos alimentos mais básicos nas quitandas e supermercados, que atinge com ainda mais força as famílias mais pobres.
Esse é o quadro apresentado em um estudo de professores do curso de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) mencionado em reportagem da Folha de São Paulo desta sexta-feira (18). A inflação dos alimentos que compõem a cesta básica, aponta o levantamento, chegou a 12,67% no acumulado de 12 meses até fevereiro. Com isso, o indicador volta a ficar acima do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), de 10,54%. Desde outubro isso não ocorria.
“Toda a população é afetada pela alta dos alimentos que compõem a cesta básica. As pessoas querem comprar produtos como café, açúcar, pão e carne. Mas são as classes com renda mais baixa que sofrem mais com uma inflação tão alta”, constata o economista Jackson Bittencourt, coordenador do curso de Economia da PUC-PR.
Baseado em dados de 13 alimentos que integram a pesquisa do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador oficial da inflação medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o estudo se iniciou em setembro de 2021. Naquele mês, a inflação da cesta básica foi estimada em 15,96%, para um IPCA de 10,25%.
A partir de outubro, aumentos abusivos fizeram combustíveis e energia elétrica assumirem o protagonismo da carestia. No início deste ano, os alimentos voltaram a puxar a inflação. Em fevereiro, subiram os preços de todos os 13 alimentos listados, destacadamente batata-inglesa (23,49%) e feijão-carioca (4,77%).
Para março, Bittencourt aponta o conflito no Leste Europeu, que elevou as cotações de commodities agrícolas como trigo, milho e soja, e o mega aumento dos combustíveis promovido no início do mês pela Petrobras como impulsionadores de custos sobre a produção dos alimentos. “A expectativa, infelizmente, é de mais pressão inflacionária. A guerra gera problemas no mundo inteiro”, comenta o economista.
Quanto menor a renda, maior a vulnerabilidade
Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que a população de renda muita baixa – até R$ 1.800,00 – foi a que mais sentiu o aumento dos preços no último ano. A inflação nessa faixa foi de 10,9% no período. Para os brasileiros mais ricos, o índice não chegou a dois dígitos. A disparidade é explicada justamente pela escalada de preços dos alimentos da cesta básica.
“Quando você olha o orçamento das famílias mais pobres, os gastos dessa família estão muito limitados à alimentação no domicílio, gastos com habitação. Isso impacta ainda mais a inflação desse segmento de renda”, explica Maria Andreia Parente Lameiras, técnica do Ipea, no Jornal Nacional.
“A cada momento temos um conjunto de preços de alimentos importantes aparecendo para pressionar a inflação dos menos favorecidos. E como a inflação está crescendo muito, essas famílias ficam ainda mais vulnerárias”, afirma André Braz, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Ibre). “São famílias que não tem acesso ao mercado financeiro, não conseguem se proteger da inflação e tem seus salários, sua renda, comprometidos pelo aumento da inflação”, finaliza.
No Twitter, a presidenta nacional do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), comentou a pesquisa do Ipea. “Mostra que a inflação é indiscriminada e acelera para todas as faixas de renda. Mas para as famílias de renda muito baixa, a alta inflacionária é ainda maior, com taxa de 10,9%. Daqui a pouco até os ricos vão reclamar do caos que Bolsonaro transformou o país”, afirmou em postagem em seu perfil na rede social.
Há uma semana, também o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) havia constatado o aumento da cesta básica em todas as 17 capitais pesquisadas em seu balanço mensal de fevereiro. As altas mais expressivas ocorreram em Porto Alegre (3,40%), Campo Grande (2,78%) e Goiânia (2,59%).
Tomando-se como referência a cesta básica mais cara do país – a de São Paulo (R$ 715,65) – o trabalhador que recebeu um salário mínimo líquido, após o desconto de 7,5% da Previdência Social, comprometeu 56,11% da renda, em média, para adquirir os produtos da cesta. Em janeiro, a porcentagem havia sido de 55,20%, indica o Dieese.
Durante os governos do PT, a política de valorização do salário mínimo foi um dos pilares das políticas sociais. De 2002 a 2015, o aumento real do salário mínimo (acima da inflação do período) foi de 76,54%, elevando o poder de compra e botando comida farta na mesa das famílias dos trabalhadores.
Em 2010, era possível comprar 2,31 cestas com um salário mínimo. Em 2014, um salário mínimo comprava 2,58 cestas. Em 2021, com o desmonte da política de valorização do piso nacional por Jair Bolsonaro e seu ministro-banqueiro Paulo Guedes, um salário mínimo só conseguiu comprar 1,57 cesta básica. O retrocesso fez com que 85% dos brasileiros tivessem que cortar algum alimento de sua dieta em 2021.
Os dados do Dieese mostram que a defasagem entre o valor real do salário mínimo, que serve de referência para mais de 50 milhões de brasileiros, e o valor necessário é de quase cinco vezes. Em 2022, o piso nacional, fixado em R$ 1.212, deveria estar em R$ 6.012,18 para atender às necessidades básicas do cidadão.
Da Redação