O roteiro tornou-se repetitivo: o país apresenta resultados na economia positivamente surpreendentes toda semana. Projeções de crescimento do PIB são revistas para cima, enquanto as da inflação declinam. Nesta segunda-feira (12), por exemplo, o mercado financeiro reduziu, pela quarta vez, a estimativa do IPCA de 2023. A queda foi de 5,69% para 5,42%. No acumulado de 12 meses, chegamos ao menor índice em três anos, 3,94%. Dentro, portanto, do teto da meta do Banco Central (BC), de 4,75%, mantido o centro em 3,25%. E o que faz o presidente do BC, Roberto Campos Neto? Nada.
Oficialmente, Campos Neto comemora os números e elogia os esforços da equipe econômica do governo. Mas não larga mão de seu bolorento economês de burocrata de banco, cultivado com esmero nas salas bem refrigeradas do BC. Tudo para não dizer o que o povo brasileiro quer ouvir desde que apertou 13 nas urnas: quando o dândi do mercado financeiro irá finalmente reduzir a taxa Selic, cujo patamar de 13,75% representa uma verdadeira catástrofe para a atividade produtiva.
“A curva de juros futuros tem tido queda relevante”, discursou Neto, durante evento do Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV), na segunda-feira. “Isso significa que o mercado está dando credibilidade ao que está sendo feito, o que abre espaço para a atuação da política monetária à frente”, afirmou o presidente do BC, sem dar qualquer pista do que significa “à frente”.
O problema, segundo Neto, continuaria a ser a inflação. A frágil justificativa utilizada pelo chefe do BC para manter a Selic em níveis espaciais – o temor de um descontrole – foi, no entanto, demolida pelo líder do PT na Câmara, Zeca Dirceu (PT-PR). “A inflação virou uma desculpa esfarrapada para manter os juros altos”, desafiou Dirceu, pelo Twitter. “Os números dos últimos meses provam que ela está controlada e em queda”, argumentou.
“Os juros altos tiram dinheiro da educação, saúde e da área social todos dias, além de estrangular quem produz e quem quer consumir”, denunciou o deputado.
Choque de realidade
Enquanto Neto pensa se vai algum dia dar a resposta que a população precisa ouvir, a sociedade reage e aumenta a pressão para por fim à sabotagem ao crescimento econômico encampada pelo chefe do BC. Ao lado dele no evento do IDV, a empresária Luiza Trajano, do Magazine Luiza, tratou de dar um choque de realidade no príncipe do capital financeiro.
“A nossa realidade é diferente, o varejo puxa tudo, a indústria, a produção”, explicou Trajano. “Estamos tendo excesso de produto, as indústrias não têm onde colocar, nem sempre esse remédio amargo também resolveu a inflação. Já tivemos muito remédio amargo, se estou defendendo é pela pequena e média empresa. Queria pedir, por favor, para dar um sinal de [que vai] baixar esses juros”, cobrou a empresária.
Quebradeira
“Uma coisa é, dentro de uma sala, a gente pensar tecnicamente, acho muito bom, mas outra coisa é a realidade”, disparou Trajano. “Sem um sinal, não vamos aguentar, quantas lojas aqui já foram fechadas? Queria te pedir, em nome dos brasileiros, para dar um sinal —e não é de 0,25 ponto, precisamos de mais”.
Um hesitante Neto se limitou a dizer que o cenário será outro daqui a um ano, quando ele deve participar novamente do IDV e analisar a “variação” do quadro em “retrospectiva”. A invertida de Trajano foi mortal: “Vai ter muita gente quebrada já”.
“Ainda não entendeu o que está em jogo”
A franqueza que Trajano conferiu à sua fala no durante o evento encontrou eco entre lideranças do PT. “Empresária Luiza Trajano foi bem clara no apelo a Campos Neto para que os juros baixem, avisou que muitos mais vão quebrar se não agir logo”, escreveu a presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, pelo Twitter.
“Mas parece que o presidente do BC continua resistente apesar de todos os sinais positivos da economia brasileira. Disse que a queda da Selic pode ocorrer mais pra frente. Não é possível isso, ainda não entendeu o que está em jogo. Governo Lula está fazendo a sua parte e só o BC não”, criticou.
“A empresária Luiza Trajano representou o Brasil em encontro empresarial e deixou Campos Neto sem reposta”, elogiou o senador Humberto Costa (PT-PE), ao disponibilizar um trecho da fala de Trajano, também no Twitter.
Indústria estagnada
No mesmo dia em que Campos Neto não pôde ser salvo por seu charme de Rolando Lero do economês, ocorreu o seminário “Desafios e oportunidades de crédito com o BNDES”, promovido pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). A entidade é representante de um dos setores mais prejudicados pela Selic atual. A ponto de o maior parque regional do país, o de São Paulo, estar completamente estagnado: o crescimento em março foi de apenas 0,2% em relação ao mês anterior.
No evento, o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, foi irônico ao abordar o assunto. “Não vou fazer nenhuma crítica ao presidente do BC”, discursou Mercadante. “Vou pedir uma salva de palmas para a decisão que ele vai tomar, seguramente favorável à economia brasileira. Vamos bater uma salva de palmas para o BC. Acho que é um belo gesto”, insistiu.
Após ser aplaudido, o petista emendou: “[A queda da Selic] é o que está faltando para a gente pegar esse vento favorável e dar uma alavancada para podermos avançar mais rápido”.
Respiro na economia
Ao fim do seminário, Mercadante apontou que o debate sobre os juros é salutar e próprio da democracia. “Por que os presidentes da República, do Senado ou da Câmara podem ser criticados e o BC não pode discutir? Lógico que pode. Tem que ouvir não só quem concorda, mas também quem discorda”, justificou.
Apesar da clara sabotagem de Neto, o presidente do BNDES fez uma avaliação positiva do quadro econômico atual e elogiou o trabalho da equipe econômica coordenada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
“Nós estamos começando a viver um ambiente econômico em que já está dando para respirar. O Brasil foi o quarto país que mais cresceu no mundo e está se recuperando. A inflação caiu fortemente e está entre as menores inflações em termos de economia mundial”, ressaltou.
Da Redação, com informações de Folha e Metrópoles