No enfrentamento com o presidente Jair Bolsonaro (PSL) em torno dos dados do desmatamento, o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Galvão, foi demitido do cargo, para o qual restava mais um ano e meio de mandato.
A medida autoritária conseguiu, no entanto, colocar a polêmica no centro do debate público. Dois cientistas mundialmente conhecidos que fizeram carreira no Inpe, Carlos Nobre e Gilberto Câmara, reafirmam, em entrevista ao Brasil de Fato, a excelência brasileira na produção e na análise de dados de satélite. Por outro lado, denunciam o caráter anacrônico da indústria do desmatamento.
De forma resumida: Bolsonaro e seus ministros do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e da Segurança Institucional, Augusto Heleno, vêm reiteradamente colocando em dúvida a confiabilidade do sistema de monitoramento por satélite brasileiro, pioneiro no mundo e em aperfeiçoamento há 30 anos.
O governante e seus escolhidos tratam os números do instituto ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Comunicações e Inovações (MCTIC) como terrorismo ambiental, e seus divulgadores como “maus brasileiros”.
“O Brasil é 1º mundo nessa área”, atesta Gilberto Câmara, cientista da computação que responde pelo projeto GEO, rede global de órgãos governamentais, instituições acadêmicas e empresas de 105 países em busca de soluções inovadoras para gestão de informações.
“O monitoramento feito aí tem o respeito de todos países que integram o GEO. Todo o mundo conhece a seriedade do trabalho do Inpe. Ela é reconhecida no Japão, na China, nos Estados Unidos, na Rússia… É uma coisa que ninguém questiona”, argumenta.
GEO é sigla para Group on Earth Observations (Grupo de Observações da Terra), além de significar “terra” em grego. Ligado à Organização das Nações Unidas (ONU), o organismo promove o compartilhamento de dados e modelos focados no desenvolvimento sustentável e no enfrentamento das mudanças do clima e desastres naturais.
De acordo com Câmara, o destaque do Brasil e do Inpe no sensoriamento ambiental não se restringe à parte operacional, do uso e calibragem dos satélites – também passa pela análise de imagens e pela formação de pessoal na área.
Ele é atualmente um dos colaboradores do instituto sediado em São José dos Campos (SP), fez seu mestrado e doutorado ali, foi chefe de Processamento de Imagens, coordenador de Observação da Terra e diretor-geral por dois mandatos (2005-2012).
Apontado como principal responsável pela criação do sistema de alertas de desmatamento Deter, Câmara também ampliou o Prodes, projeto de monitoramento permanente que mantém uma série histórica de taxas anuais desde 1988. Em sua gestão, promoveu uma política de acesso gratuito e software de código aberto, firmando Inpe como um grande centro distribuidor de imagens satelitais.
Segundo o cientista, as taxas divulgadas por esses sistemas podem ser compreendidas como índices de “inflação ambiental”, uma vez que servem de parâmetro para a comunidade nacional e internacional acompanhar o empenho brasileiro em seus compromissos de preservação ambiental.
Em defesa da ciência
“Pode demorar, mas o método científico sempre triunfa. A história mostra. A humanidade avança porque a gente inventa um jeito de entender a natureza de forma sistemática”, afirma Câmara.
O meio científico saiu em peso na defesa do diretor Ricardo Galvão, demitido por Bolsonaro. O físico de 71 anos é professor emérito da Universidade de São Paulo (USP), dirigiu o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), também subordinado ao MCTIC, e presidiu a Sociedade Brasileira de Física (SBF).
Entre muitos outros, ex-diretor do Inpe recebeu o apoio das duas principais entidades científicas do país, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), e do Laboratório de Ciências Biosféricas da Nasa, a agência especial dos EUA.
Em debate com o ministro Salles na GloboNews, após a demissão, o físico e engenheiro questionou a briga do governo Bolsonaro com os números e a ideia fixa em substituir a ferramenta de monitoramento ambiental.
Do outro lado da mesa, o ministro do Meio Ambiente insistiu na tese de aparelhamento ideológico das instituições e acusou Galvão de ter desrespeitado o presidente.
O método de escolha da direção dos dos institutos vinculados ao MCTIC é semelhante ao adotado pelas universidades federais, por meio de lista tríplice e votação interna. Tradicionalmente, o ministro escolhe o primeiro colocado.
Após a saída de Galvão, o oficial da Força Aérea Darcton Policarpo Damião assumiu interinamente o Inpe. Para a escolha do substituto definitivo, Bolsonaro e o ministro Marcos Pontes prometeram cumprir o rito.
Damião é notório seguidor da linha ideológica do presidente, tendo se manifestado nas redes sociais com postagens de petições pela cassação de registro do Partido dos Trabalhadoras e do mandato do ex-deputado federal pelo PSOL-RJ Jean Wyllys, ao lado de elogios à Operação Lava Jato.
Ele diz que manterá a divulgação dos índices, mas que em situações alarmantes os remeterá em primeira mão à Presidência da República e aos ministérios do Meio Ambiente e da Ciência.
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