Enquanto o ministro-banqueiro Paulo Guedes “se sacrifica” pelo país no primeiro escalão do desgoverno Bolsonaro, a economia nacional acumula os sintomas da grande derrocada que a dilapida. Na ponta mais fraca da corda – a dos trabalhadores – cada vez mais pessoas contraem dívidas. É o que aponta a Radiografia do Endividamento das Famílias da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo.
“Com a queda na renda, o povo está precisando se virar e lançou mão de crédito pra pagar contas e colocar comida na mesa. O cenário é de endividamento que atinge maior nível em 11 anos, 71% das famílias. Agora com essa carestia toda, desemprego a situação tende a ficar ainda pior”, prevê a presidenta nacional do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), em postagem em seu perfil do Twitter.
No primeiro semestre deste ano, 71,4% das famílias entrevistadas pelos técnicos da Fecomércio-SP apresentaram algum grau de endividamento. Desde o início da série histórica, em 2010, nunca antes tantos estiveram tão “pendurados” em dívidas. E a um nível 15,6%, ou 9,7 pontos porcentuais (p.p.), superior à média registrada no mesmo período entre 2010 e 2020.
Em um universo de 16,8 milhões de lares, quase 12 milhões tinham dívidas no fim de junho. São mais 733,9 mil famílias em relação ao mesmo mês de 2020 e 1,36 milhão, se comparado a 2019. Em dois anos, o total de lares com dívidas aumentou 11,5%.
Em junho de 2019, o porcentual de famílias brasileiras endividadas nas capitais era de 64,1%. Em 2020, passou para 67,4%. Oito das 27 capitais, aponta a pesquisa, alcançaram a maior taxa histórica – Rio Branco é a pior, com 92% das famílias endividadas.
Embora o percentual de famílias com atraso no pagamento tenha caído de 26,3% para 25,6% (4,3 milhões em termos absolutos), entre junho de 2020 e junho de 2021, o cenário de menos renda e mais inflação, com a decorrente elevação dos juros, aponta para retração econômica e mais endividamento e inadimplência nos próximos meses.
Há duas semanas, a Fecomércio-SP havia revelado que as famílias brasileiras pagaram R$ 233,5 bilhões em juros no primeiro semestre de 2021. O valor cresceu 7,25% de janeiro a junho, em comparação aos R$ 217,7 bilhões da primeira metade de 2020.
“O endividamento em si não é uma coisa negativa, mas as circunstâncias da capacidade de pagar as dívidas sim. O que a gente tem que avaliar é: se essas famílias terão condições, no futuro, de arcar com esses compromissos”, pondera Altamiro Carvalho, assessor econômico da Fecomercio-SP.
“Nós temos alguns desafios pela frente”, prossegue ele. “Primeiro: a taxa de desemprego extremamente elevada, que ameaça a massa de rendimento das famílias; e, o fator mais importante: a inflação, que corrói diariamente o poder de compra.”
Há duas semanas, a Fecomércio-SP havia revelado que as famílias brasileiras pagaram R$ 233,5 bilhões em juros no primeiro semestre de 2021. O valor cresceu 7,25% de janeiro a junho, em comparação aos R$ 217,7 bilhões da primeira metade de 2020.
Conforme a entidade, os juros são o segundo item nos orçamentos familiares, atrás dos gastos com aluguel. “Os recursos que vieram para aumentar a massa de rendimentos das famílias e estimular a economia foram bastante comprometidos com o pagamento de juros, que foram canalizados para o sistema financeiro”, apontou Carvalho.
CNC: cartão de crédito é principal tipo de dívida
A Radiografia da Fecomércio-SP exibe números semelhantes à Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), divulgada no início do mês pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Nela, o número de endividados cresceu em outubro pelo 11º mês seguido, chegando a 74,6% das famílias. Alta de 0,6 p.p. em relação a setembro, e de 8,1 p.p. diante de outubro de 2020.
Com o novo patamar recorde, a CNC estima que 12,2 milhões de famílias possuem dívidas a vencer no cheque pré-datado, cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, crédito consignado, empréstimo pessoal ou prestação de carro e de casa.
O cartão de crédito segue como principal tipo de dívida, e alcançou parcela de 84,9%. Em relação a outubro de 2020, a modalidade avançou 6,4 pontos no endividamento, o maior incremento anual da série histórica do indicador.
O percentual de famílias com dívidas ou contas em atraso atingiu 25,6%, e o de famílias que declararam não ter condições de pagar as contas e que permanecerão inadimplentes ficou em 10,1%. Na avaliação da CNC, a alta na taxa básica de juros (Selic) torna o crédito mais caro e começa a impactar a dinâmica da proporção de endividados, reduzindo a contratação de dívidas.
“A inflação corrente elevada e disseminada tem deteriorado os orçamentos domésticos e diminuído o poder de compra das famílias, em especial as na faixa de menor renda. Os números demonstram os esforços em manter os compromissos em dia, com renegociação e controle dos gastos”, diz José Roberto Tadros, presidente da CNC.
A Fundação Getúlio Vargas (FGV) corrobora a análise com a divulgação, nesta quarta, do Índice de Confiança do Consumidor (ICC). O indicador registrou queda de 1,4 ponto em novembro, a 74,9 pontos, menor patamar desde abril. O Índice de Situação Atual (ISA), que mede a percepção do consumidor sobre o momento, perdeu 2,1 pontos, para 66,9 pontos, diante da deterioração da situação econômica e das finanças familiares.
O Índice de Expectativas (IE), que acompanha o sentimento em relação aos próximos meses, caiu 1,0 ponto, a 81,4, também pressionado pela cada vez mais precária situação financeira familiar.
“Apesar do avanço da vacinação, suas consequências favoráveis na redução de casos e mortes (por Covid-19) e flexibilização das medidas restritivas, o aumento da incerteza econômica diante de uma inflação elevada, política monetária restritiva e maior endividamento das famílias de baixa renda torna a situação ainda desconfortável e as perspectivas ainda cheias de ameaças”, explicou em nota a coordenadora das sondagens, Viviane Seda Bittencourt.
A renda cai, mas os bancos vão bem
Na última sexta-feira (19), a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou que o rendimento médio mensal do brasileiro teve queda recorde em 2020 e atingiu o menor valor desde o início da série histórica, em 2012.
Conforme a pesquisa, o rendimento mensal médio real de todas as fontes no país passou de R$ 2.292 em 2019 para R$ 2.213 – valor mais baixo desde 2013, quando era estimado em R$ 2.250 (já descontada a inflação do período).
O recuo corresponde a uma queda de 3,4%, a mais intensa da série histórica. Ela foi generalizada entre a maioria das fontes que compõem a renda do brasileiro. O recuo mais intenso foi observado entre as chamadas “outras fontes”, que incluem aposentadoria, pensão e aluguéis.
Hoje, 70% dos trabalhadores e trabalhadoras do país recebem menos do que recebiam antes da pandemia, constata pesquisa da FGV. Apenas os 10% dos brasileiros que mais recebem dinheiro estão aumentando a renda.
O desemprego recorde fez com que, em 2020, o país registrasse a menor proporção de pessoas com renda proveniente do trabalho. O contingente de brasileiros que tiveram rendimento efetivo do trabalho correspondeu a 38,7% da população. O recorde havia sido registrado em 2014, quando correspondeu a 43,7% da população residente no país.
Neste ano, afirma o IBGE, a taxa de desemprego ficou em 13,2% no trimestre encerrado em agosto. São 13,7 milhões de pessoas em busca de uma vaga. A população fora da força de trabalho ficou em 73,4 milhões de pessoas.
Já o rendimento médio real dos trabalhadores recuou 4,3% frente ao trimestre encerrado em maio, e 10,2% em relação ao mesmo trimestre de 2020. Foram as maiores quedas percentuais da série histórica, em ambas as comparações.
Hoje, 70% dos trabalhadores e trabalhadoras do país recebem menos do que recebiam antes da pandemia, constata pesquisa da FGV. Apenas os 10% dos brasileiros que mais recebem dinheiro estão aumentando a renda.
Se os trabalhadores e o povo são massacrados por todos os lados, os bancos vão muito bem – como sempre. No último trimestre, o lucro líquido de Itaú, Bradesco e Santander totalizou R$ 17,886 bilhões – alta anual de 28,5%. O lucro somado dos três somou R$ 51,79 bilhões no acumulado até setembro – ou mais 46,1% em relação ao mesmo período de 2020. Boa parte desses ganhos veio do endividamento recorde das famílias.
Da Redação