O governo brasileiro anunciou nesta semana, por meio do Ministério das Relações Exteriores, um acordo de cooperação com os EUA. O acordo permitiu a entrega ao Brasil de dois milhões de doses de hidroxicloroquina (HCQ) para “ajudar a defender enfermeiros, médicos e profissionais de saúde do Brasil”, além da utilização “no tratamento de brasileiros infectados” pelo coronavíus. Os dois países emitiram comunicado conjunto sobre o acordo. De acordo com a nota, “como continuação da colaboração de longa data dos dois países em questões de saúde, também estamos anunciando um esforço de pesquisa conjunto Brasil-Estados Unidos, que incluirá testes clínicos controlados randomizados”.
Em outras palavras, os EUA planejam transformar o povo em cobaia e o Brasil em laboratório aberto de pesquisa sobre a droga. A Organização Mundial da Saúde (OMS), que havia interrompido por tempo indeterminado os testes com a droga, anunciou a retomada dos estudos sobre o tratamento com a cloroquina. Mas advertiu que a iniciativa não significa uma recomendação do uso da substância. “Esperamos que os testes continuem até termos respostas definitivas, porque é disso que o mundo precisa”, afirmou a cientista-chefe da OMS, Soumya Swaminathan.
Na quarta-feira, o ministro Benjamin Zymler, do Tribunal de Contas da União (TCU), encaminhou solicitação ao Ministério da Saúde e à Agência Nacional de vigilância Sanitária pedindo esclarecimentos quanto ao protocolo de uso da cloroquina. Em seu despacho, Zymler solicita as justificativas técnicas e jurídicas para o protocolo e o parecer da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo o ministro,”há relevante controvérsia acerca da utilização da cloroquina para o tratamento da Covid-19, em especial em decorrência dos efeitos colaterais do medicamento”.
Ainda de acordo com o ministro, há preocupação quanto ao impacto financeiro decorrente da nota informativa publicada pelo ministério: “aquisição de medicamentos, fabricação de medicamentos por laboratórios públicos, exames médicos complementares decorrentes da utilização do produto, dentre outros”, elenca o despacho do ministro.
Testes inconclusivos
Testes feitos por pesquisadores americanos revelaram que, além de a hidroxicloroquina não ter eficácia comprovada no tratamento de pacientes infectados pela Covid-19, pode causar problemas cardíacos nos doentes. Conclusões científicas que não não, no entanto, levadas em consideração por Trump e Bolsonaro. “O povo brasileiro e o povo norte-americano solidarizam-se na luta contra o coronavírus”, diz a nota do Itamaraty.
“Esses testes ajudarão em avaliações adicionais sobre a segurança e a eficácia da HCQ tanto para a profilaxia quanto para o tratamento precoce do coronavírus”. O ministério observa ainda que “os dois países estão bem posicionados para continuar seu trabalho conjunto no enfrentamento da pandemia do coronavírus, bem como em outros assuntos de importância estratégica”.
Segundo reportagem publicada pela agência Reuters nesta quinta-feira (4), experimentos de laboratório conduzidos no início deste ano demonstraram que a hidroxicloroquina é capaz de bloquear o vírus SARS-CoV-2, causador da Covid-19, mas esse efeito não foi replicado em testes rigorosos em pessoas. Além disso, um estudo separado realizado por cientistas da Universidade de Minnesota sobre o potencial efeito preventivo da hidroxicloroquina contra o vírus revelou que os pacientes que receberam o medicamento antes de serem expostos ao vírus não ficaram protegidos.
Negaciosnismo delirante
A celebrada “aliança” entre Trump e Bolsonaro corrobora os motivos pelos quais o comportamento de ambos levou EUA e Brasil a tornarem-se o epicentro da pandemia do coronavírus no mundo: o negacionismo delirante em relação à ciência, o populismo rasteiro, materializado em declarações estapafúrdias – quando não simplesmente falsas -, e demonstrações contundentes de desprezo pela vida humana.
Não à toa, o diário americano ‘The New York Times’ publicou reportagem na terça-feira (2) associando o populismo de Trump, Bolsonaro, Boris Johnson e Vladimir Putin, ao aumento desenfreado do coronavírus nos EUA, Brasil, Reino Unido e Rússia, nações comandadas pelo quarteto.
De acordo com a reportagem, no Brasil, Bolsonaro demitiu o ministro da Saúde e vem pressionando os governadores para encerrar medidas de quarentena. Nos Estados Unidos, Trump rejeitou a opinião de especialistas por quase dois meses, prevendo que o vírus desapareceria “como um milagre”. Na Grã-Bretanha, o governo de Johnson inicialmente incentivou as pessoas a continuarem a socializar, mesmo quando outros países estavam se fechando. O negacionismo de Boris Johnson quase custou-lhe a vida: infectado pelo coronavírus, o primeiro-ministro foi internado em uma UTI, onde passou duas semanas, alguns dias em estado grave.
Segundo o diário americano, os quatro líderes têm muitas diferenças, “é claro, assim como seus países. No entanto, todos são versões do que Daniel Ziblatt, professor do governo de Harvard e co-autor do livro “Como morrem as democracias”, chama de “populismo radical liberal de direita”. A reportagem afirma que muitos cientistas políticos consideram que o padrão não é uma coincidência. “Os populistas iliberais tendem a rejeitar as opiniões dos cientistas e a promover as teorias da conspiração”, observa o jornal. A reportagem informa que o grupo também tem em comum o fato de ter desrespeitado recomendações de proteção individual, recusando-se a usar máscaras ou insistindo em adotar gestos perigosos como apertos de mão, especialmente em aglomerações.
Pesquisas conduzidas por especialistas de saúde revelam que a demora nas reações dos governos tem relação direta com a velocidade de propagação do vírus. Uma dela foi coordenada por Thomas Hale, da Escola de Governo Blavatnik da Universidade de Oxford. Muitos dos países que estão vendo surtos graves agora compartilham um “reconhecimento tardio da urgência da crise”, disse Hale.
Outra coincidência, segundo o ‘Times’, dá conta de que os líderes que responderam mais lentamente à pandemia mencionaram a necessidade de priorizar o crescimento econômico como justificativa para suas estratégias. “Mas a dicotomia entre economia e saúde pública não pode existir, dizem cientistas e economistas: O caminho mais rápido para a normalidade econômica envolve controlar a propagação do vírus”, diz a reportagem. “Existe essa falsa tensão entre a saúde pública e a saúde econômica”, confirma Wafaa El-Sadr, epidemiologista da Universidade de Columbia.
Da Redação, com agências internacionais