Prestes a completar cinco meses desde a confirmação do primeiro caso de Covid-19, em 26 de fevereiro, o Brasil transformou-se em uma enorme embarcação à deriva, sem comandante e cuja rota traçada é a da destruição e do terror. Enquanto atravessa a pior crise sanitária da história recente, o país também conseguiu tornar-se uma séria ameaça a países vizinhos, com a pandemia alastrando-se sem controle e causando novo aumento de mortes. Segundo o consórcio de veículos de imprensa, nesta quarta-feira (22), foram contabilizados 2.178.159 casos e 81.828 mortes. Apenas nas 24h entre segunda e terça-feira, registraram-se 1.367 óbitos, um numero abaixo apenas do recorde de 1.473 vítimas fatais, batido em 4 de junho.
O aumento de mortes ocorre num contexto de reabertura desordenada, principalmente em cidades com alto índice de contaminações e aumento na média diária de mortes. A crise sanitária agravou-se com o relaxamento das medidas de isolamento social, defendido pelo presidente Jair Bolsonaro desde o início da pandemia, somado à completa desestruturação do Ministério da Saúde operada pela ala militar a partir da exoneração de Nelson Teich, em maio.
Sob o comando interino do “especialista” em logística Eduardo Pazuello, a pasta, lotada de militares em postos estratégicos, não foi capaz nem de cumprir o repasse integral dos recursos de emergência a estados e municípios para o combate à pandemia, previstos por lei desde março. Como consequência, hospitais da rede pública não receberam equipamentos como respiradores e máscaras de proteção, além de medicamentos e kits para a aplicação de testes.
Reportagem da ‘Folha de S. Paulo’ desta terça-feira aponta que a Saúde gastou somente 29% da verba prevista a estados e municípios, segundo relatório do Tribunal de Contas da União. O relatório confirma denúncia feita neste espaço desde o final de junho a partir de informações do Conselho Nacional de Saúde (CNS).
De acordo com a ‘Folha’, “dos R$ 38,9 bilhões prometidos por meio de uma ação orçamentária específica criada em março, mês em que a OMS (Organização Mundial e Saúde) anunciou a existência de uma pandemia, R$ 11,4 bilhões saíram dos cofres federais até 25 de junho”. Ainda segundo a apuração do jornal, “tanto as despesas feitas diretamente pelo ministério quanto aquelas realizadas por meio de transferência a estados e municípios (fundo a fundo) ficaram muito aquém do prometido”.
Abertura de Inquérito
“Estados só receberam 39% e municípios 36% do dinheiro prometido”, alertou a presidenta nacional do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR). “Eles estão deixando o povo morrer. O nome disso é genocidio”, afirmou Gleisi. Diante dos desmandos do governo federal, o Ministério Público Federal (MPF) abriu inquérito para apurar o caso.
A reportagem informa que tanto o TCU e quanto o MP questionaram o Ministério da Saúde sobre a redução de transferências a estados e municípios no mês de abril, quando a epidemia já espalhava-se pelo país, além dos parâmetros para definição dos valores a serem repassados. Também pediram dados sobre o planejamento e o cronograma para o repasse dos recursos disponíveis a governos e prefeituras. O relatório informa que a pasta não apresentou explicações.
“Chama a atenção o fato de Pará e Rio de Janeiro terem, respectivamente, a segunda e a terceira maior taxa de mortalidade por Covid-19 (31,4 e 28,1 mortes por 10.000 habitantes), conforme dados informados pelo Ministério da Saúde em 28/5/2020, mas serem duas das três unidades da federação que menos receberam recursos em termos per capita para a pandemia”, aponta o TCU, no relatório obtido pela ‘Folha’.
Descaso com a população
De fato, no final de junho, o CNS já denunciava a morosidade do governo federal no repasse das verbas emergenciais. No dia 29 de junho, a ‘Agência PT de Notícias’ chamou a atenção para tamanho do descaso do governo com a população: segundo boletim da Comissão Intersetorial de Orçamento e Financiamento, do CNS, R$ 25,7 bilhões, cerca de 66% dos recursos destinados ao enfrentamento da doença, retidos no Ministério da Saúde, seriam suficientes para a compra de 428.333 respiradores para o Sistema Único de Saúde (SUS).
“É inaceitável que, diante desta grave pandemia e com o crescente número de casos confirmados e óbitos, as vidas das pessoas não sejam prioridade para este governo”, denunciou o presidente do CNS, Fernando Pigatto, à época, em depoimento ao portal do conselho. Para Pigatto, “a execução dos recursos destinados à saúde tem de ser imediata, seja para a contratação de serviços para o enfrentamento à Covid-19, como para transferência financeira aos estados e municípios”.
Na verdade, o Conselho Nacional de Saúde vem alertando a sociedade desde o início da pandemia sobre a ineficiência do presidente Jair Bolsonaro e da pasta da Saúde na correta aplicação dos recursos. “A demora resulta em agravos e mortes para a população brasileira”, denunciou o conselho, quando da publicação do boletim, em junho.
Pactuação
O conselho lembrou que, para que os recursos sejam disponibilizados ao SUS, é preciso efetuar uma pactuação entre gestores de saúde nas esferas municipal, estadual e federal no âmbito da Comissão Intergestora Tripartite (CIT). O ministério, porém, dificultou o diálogo com estados e municípios desde a curta passagem de Nelson Teich na pasta. Uma vez no cargo, Teich praticamente não reuniu-se com gestores estaduais e municipais.
“É a maior crise sanitária da história. Conseguimos recurso emergencial, mas está parado. Isso é inadmissível, mostra o descompromisso do governo com a vida”, advertiu Pigatto, em junho.
Descontrole
A reabertura do comércio em cidades de grande e médio porte coincide com a manutenção da alta na taxa de transmissão do vírus no país, calculado semanalmente pelo Imperial College de Londres. Segundo relatório divulgado nesta semana, a taxa de contágio (Rt), que calcula para quantas pessoas um infectado pode passar o novo coronavírus, continua acima de 1 no Brasil. o índice, esta semana em 1,01, indica que a pandemia continua descontrolada, segundo os critérios do instituto.
Nesta semana, mais cidades anunciaram a reabertura do comércio. Em Feira de Santana, próximo a Salvador (BA), foram registradas aglomerações, com várias pessoas sem máscara e filas sem distanciamento social. Já a região Sul, duramente atingida desde junho, foi obrigada a fechar comércio e reduzir a circulação de pessoas. Em apenas um mês, os três estados da região triplicaram o número de casos de Covid-19, saltando de 49.908, no dia 20 de junho, para mais de 155 mil infectados.
Da Redação, com agências