Está ficando cada vez mais difícil para o governo conseguir convencer os parlamentares de sua base aliada a votarem a favor da Reforma da Previdência. A semana, que começou com o forte lobby de setores empresariais dentro do Congresso Nacional, terminou com o anúncio de que a votação será adiada para 19 de fevereiro, de acordo com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Isso deve dificultar ainda mais sua aprovação em pleno ano eleitoral. São necessários 308 votos favoráveis dos deputados, em duas votações seguidas (primeiro e segundo turnos), além de uma dupla votação no Senado, que exige um mínimo de 49 votos a favor em cada.
Quanto mais exposta ao debate público, mais a Reforma da Previdência proposta pelo governo golpista de Michel Temer é percebida como um mecanismo que vai restringir e impedir que milhões de trabalhadores consigam se aposentar algum dia.
Em recente entrevista ao Jornal GGN, o professor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp), Eduardo Fagnani, demonstrou como a proposta do governo segue excluindo justamente os mais pobres. “Pra começar, ninguém mais vai conseguir se aposentar com aposentadoria integral, porque para isso seria necessário acumular 40 anos de contribuição.
O Dieese [Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas] mostra que o trabalhador do setor privado, por conta da rotatividade e da informalidade no mercado de trabalho, contribui uma média de 9 meses a cada 12 meses (um ano), ou seja, para ele atingir 25 anos de contribuição, teria que trabalhar quase 33 anos”, explica.
Seguindo essa média, para um trabalhador juntar os 15 anos de contribuição mínima exigida – e que só dá direito a 60% do valor do salário –, ele teria que trabalhar durante 19 anos. Para receber uma aposentadoria integral, os 40 anos de contribuição exigidos só seriam alcançados com cerca de 50 anos de trabalho, uma realidade improvável.
Dados do próprio governo mostram que apenas pouco mais de 20% dos aposentados comprovaram contribuição acima de 25 anos, isso sem levar em consideração as regras da reforma trabalhista, que devem reduzir ainda mais a capacidade do trabalhador contribuir com a previdência.
“A reforma trabalhista está incrementando no país os empregos temporários e o trabalho intermitente, que paga por hora. Vai ser muito mais difícil você conseguir comprovar sequer os 15 anos de contribuição mínima”, aponta Eduardo Fagnani, na Unicamp. Nesse cenário, o valor médio da aposentadoria do INSS no país, que é de apenas R$ 1.500 por mês, deve ser drasticamente reduzido, já que a média dos benefícios cairá dos atuais 85% para cerca de 60% do salário.
Aposentadoria rural atingida
Ao contrário da propaganda do governo de que os trabalhadores rurais ficaram de fora da Reforma da Previdência, o analista político Antônio Augusto Queiroz, do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar) explica que isso não passa de publicidade enganosa, a começar pelo próprio aumento da idade mínima exigida para a aposentadoria, que também valerá para os assalariados rurais e os pequenos produtores.
Pela regra proposta, os agricultores familiares, que normalmente se aposentam por idade, ganhando um salário mínimo, vão ter que comprovar “tempo de contribuição” de 15 anos e não mais “tempo de atividade rural”, como ocorre atualmente. “Assim, o pequeno produtor rural, que antes se aposentava por idade – aos 60 anos, no caso do homem, e 55 anos, no caso da mulher – desde que comprovasse o exercício de atividade rural por 15 anos, ainda que de forma descontínua, com as novas regras passa-se a exigir comprovação de 180 meses de contribuição (15 anos de contribuição) e três anos de comprovação de atividade rural imediatamente anteriores à aposentadoria”.
A mudança de “tempo de atividade rural” para “tempo de contribuição”, na prática, vai inviabilizar a aposentadoria do pequeno agricultor. “Para comprovar 15 anos de contribuição, ele vai ser obrigado que ir no banco todo mês pagar a prestação da previdência, o que é absolutamente incompatível com a dinâmica do trabalhador rural”, aponta Eduardo Fagnani, professor da Unicamp.
Sonegação na Previdência
Segundo o relatório da CPI da Previdência, empresas privadas do país devem mais de R$ 450 bilhões ao INSS. Entre elas, figuram gigantes como o banco Bradesco e a JBS, controladora da Friboi. Além disso, as desonerações e isenções de impostos aplicadas ao longo das últimas décadas fez com que o governo deixasse de arrecadar cerca de R$ 400 bilhões para o pagamento das aposentadorias e benefícios sociais.
Reforma mantêm privilégios
Enquanto afirma que a reforma da Previdência vai acabar com privilégios, o governo de Michel Temer defende a manutenção das atuais regras de aposentadoria especial para os parlamentares. Mesmo sendo considerada uma das leis mais “imorais” da República, a norma especial de aposentadoria parlamentar foi defendida pela Advocacia Geral da União (AGU) em manifestação recente ao Supremo Tribunal Federal (STF). A norma permite que o político que comprovar 35 anos de mandatos parlamentares (de vereador, deputado ou senador) possa receber a aposentadoria integral de um parlamentar federal: cerca de R$ 33,5 mil por mês.
Mesmo que não comprove os 35 anos de atividade legislativa, os parlamentares tem o direito de se aposentar com salário proporcional ao tempo de contribuição. Por causa disso, a média da aposentadoria parlamentar no Brasil está atualmente em R$ 14 mil por mês, um salário muito superior ao teto da aposentadoria pelo INSS, que é de R$ 5,5 mil, e seria o máximo que um trabalhador brasileiro poderia receber.