A Marcha das Margaridas, que acontece nos dias 13 e 14 de agosto, em Brasília (DF), é a maior ação conjunta de mulheres trabalhadoras da América Latina. A mobilização foi realizada pela primeira vez no ano 2000 e leva o nome de um símbolo da luta pela igualdade de direitos para as mulheres do campo: Margarida Maria Alves.
A cada segundo domingo do mês, a assembleia do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande, na Paraíba, se enchia de camponeses insatisfeitos com as condições de trabalho. Ausência de direitos trabalhistas, longas jornadas nos canaviais, baixa remuneração, trabalho infantil. Esse era o cenário ao longo da década de 1980.
Em meio às falas de revolta, uma maioria de homens. A realidade surpreendia quando se olhava para a presidência do sindicato. À frente, estava uma mulher, a combativa paraibana Margarida. Aqueles que conviveram com a sindicalista lembram de seu legado ainda hoje, 36 anos após seu assassinato.
“Margarida era uma mulher forte, de fibra, muito corajosa e uma grande lutadora. Ela enfrentou uma luta ferrenha contra os latifundiários, os perseguidores dos trabalhadores, porque não era fácil naquela época.”
O depoimento é de Maria da Soledade Leite, hoje com 77 anos, que conviveu com a líder sindical por quase uma década. Também natural de Alagoa Grande, a repentista viajava o Nordeste tocando. Regressou para a terra natal em 1975, com a viola, as duas filhas e sob os olhares de preconceito por ser uma mulher recém-separada. Foi na filiação ao sindicato e no apoio de mulheres como Margarida que reencontrou seu caminho.
As lutas de Margarida
Entre as lutas travadas pela sindicalista estão a busca pela contratação com carteira assinada, o pagamento do décimo terceiro salário, o direito das trabalhadoras e dos trabalhadores de cultivar suas terras, a educação para seus filhos e filhas e o fim do trabalho infantil no corte de cana. A atividade era marcante na região, em especial pela existência da Usina Tanques — a maior do estado da Paraíba naquela época — contra a qual Margarida movia mais de cem ações trabalhistas.
“Isso era uma facada no cofre dos patrões. Eles queriam os trabalhadores escravos, as filhas dos trabalhadores sendo as ‘negrinhas de cozinha’ deles até serem violentadas, seja por eles ou pelos seus filhos, caladas. Foi aí que surgiu a perseguição contra Margarida e contra todos os que defendiam os direitos dos trabalhadores”, conta Soledade.
Caçula de nove irmãos e natural da periferia paraibana, Margarida Alves tinha na história de sua própria família a experiência de ser expulsa de suas terras por latifundiários, episódio que vivenciou ainda na infância.
Foi somente depois de mais velha que completou a quarta série do ensino primário. A pouca escolaridade, porém, não impediu que Margarida lutasse para que outras pessoas pudessem estudar. Durante sua gestão no sindicato foi criado um programa de alfabetização para adultos através dos métodos de Paulo Freire. Uma das educadoras foi Luzia Soares Ferreira .
“Os trabalhadores todos eram analfabetos, tanto homens quanto mulheres. A gente ia pegar a assinatura deles, mas eles não sabiam escrever o próprio nome. Margarida então dizia: ‘minha gente, vamos botar uma escola aqui para esse povo aprender’. Juntamos eu, ela e Carmelita, e montamos uma escola dentro do próprio sindicato”, relembra Luzia.
As duas se conheceram em um curso de corte e costura oferecido pelo sindicato para a capacitação profissional das mulheres. Hoje com 67 anos, Dona Luzia é presidenta do Movimento de Mulheres Trabalhadoras da Paraíba (MMT/PB), organização que criou ao lado de Margarida em 1981.
As ameaças constantes
Em função de sua luta por direitos, não tardou para que começassem as intimidações à atuação combativa de Margarida. Os próprios trabalhadores contavam para a líder sobre as ameaças que ouviam de seus patrões e feitores. Dona Luzia lembra que, no entanto, a paraibana resistia.
“Eu via quando os trabalhadores rurais chegavam para contar sobre as ameaças. Ela estava sentada no birô dela, se levantava com o chapéu na cabeça, aquela sandália no pé, aquele vestido comprido franzido, também de manga comprida, e dizia: ‘meu filho, isso não vai acontecer, não. E eu não tenho medo. Eu não tenho medo de falar.’”
Porém, a resistência de Margarida não superou a tirania dos latifundiários. A vida de uma das primeiras líderes sindicais do país foi cruelmente encerrada por matadores de aluguel a mando de fazendeiros da região de Alagoa Grande. Margarida foi assassinada em 12 de agosto de 1983, aos 50 anos, em sua casa, na frente do único filho e do marido.
O crime segue impune, mas seu legado permanece vivo. A cada dois anos, a luta de Margarida Maria Alves mobiliza milhares de mulheres das cinco regiões do país rumo à marcha que leva o seu nome.
Por Brasil de Fato