Em 2021, o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) registrou o recorde negativo de participantes desde 2008. Apenas 4 milhões de alunos se inscreveram nesta edição, a menor taxa em mais de dez anos, segundo dados do Inep vinculado ao Ministério da Educação.
Essa é a ponta do iceberg sobre os impactos da pandemia e do sucateamento da educação na vida dos jovens brasileiros. Com o aumento do desemprego, a redução da massa salarial e o aumento do custo de vida, o peso da responsabilidade da sobrevivência financeira familiar começa a aumentar sobre os jovens — o que inclui a variável do acesso ao mercado de trabalho como um componente fundamental para avaliar a situação da juventude no Brasil.
Segundo estudo do Ipea, ser mulher, ser responsável ou cônjuge com filhos, ser negro/a, ter baixa escolaridade e morar em domicílio de baixa renda aumentam muito a probabilidade do jovem de ficar sem estudo e sem trabalho. E se o jovem procura emprego, encontra uma porta ainda menor para entrar: com a minirreforma trabalhista, a Câmara aprovou diversas mudanças na CLT que incluem precarização, redução de salários e direitos para jovens trabalhadores e trabalhadoras — dificultando ainda mais o tempo disponível para estudo.
E a pergunta que fica é: Quem está estudando?
Nem estuda. Nem tem como estudar.
“Estuda hoje quem tem privilégio. Quem não precisa buscar trabalho pra ajudar nas contas de casa, quem tem wifi, celular e computador disponíveis o tempo todo. Quem não é de quebrada, não tem que acordar cedo pra trabalhar e ganhar 1 salário mínimo ou menos”, afirma Nádia Garcia, diretora LGBT e de Combate ao Racismo da Juventude do PT.
Segundo estudo do Ipea “Os jovens que não trabalham e não estudam no contexto da pandemia da Covid-19 no Brasil”, publicado por Enid Rocha Andrade da Silva e Fábio Monteiro, poucos jovens têm sido capazes de dar continuidade on-line à sua formação, não apenas pelas dificuldades de acesso à internet, marcada por muita desigualdade no Brasil, mas também pela necessidade de dedicar horas a mais nas tarefas de cuidados e de afazeres domésticos para suas famílias.
Ainda de acordo com o levantamento, as tarefas domésticas afetam, sobretudo, as jovens mulheres que, devido à ausência de apoio em casa ou de espaços como a creche/escola no período de isolamento social, tiveram que se ocupar mais intensamente do trabalho não-remunerado nos lares, durante a pandemia.
Ser mulher, especialmente com filhos; ser pobre; ser negro/a; ter baixa escolaridade; e morar em domicílios com maior número de crianças, ou outra pessoa que exige cuidados aumentam expressivamente as chances de um jovem se tornar nem-nem por um curto ou longo período de sua vida.
“As juventudes negras, LGBTs, as jovens mulheres, de quebrada, de zonal rural, quilombolas, indígenas, estas não estudam e por culpa deste governo, também não trabalham, porque o desemprego bate recordes no desgoverno Bolsonaro. As juventudes querem estudar e trabalhar, ninguém é “nem-nem” porque quer, é porque não tem oportunidade”, reforça Nádia Garcia.
Segundo publicação da Porvir, em parceria com o Instituto Unibanco, o cenário ainda mais desafiador para estudantes negros e negras. Mais atingidos pelo coronavírus por residirem em áreas vulneráveis com menor cobertura de serviços de saúde, com menos acesso a computadores e internet para acompanhar as aulas remotas, a juventude negra teve mais dificuldades para seguir aprendendo em 2020. Esses obstáculos devem agravar uma realidade que é anterior à pandemia: ao final da trajetória escolar, quando conseguem concluir o ensino médio, jovens negros aprendem menos e se sentem menos motivados a prestar o Enem e a ingressar no ensino superior.
Essa realidade faz parte da devastação da educação promovida pelo governo Bolsonaro. Pesquisa da APEOESP/Vox Populi demonstrou que os estudantes e professores das escolas públicas foram abandonados durante a pandemia e continuam abandonados na inoportuna volta às aulas presenciais que ocorre neste momento. A deputada estadual, professora Bebel, PT/SP, explica que esse setor foi um dos mais atacados do governo Bolsonaro:
” Perdeu a destinação das verbas do pré-sal e bilhões de reais em função da Emenda Constitucional 95, juntamente com as demais áreas sociais. Em nível nacional e no estado de São Paulo, a educação pública básica é alvo de constantes reformas que vão dela retirando o pouco de qualidade que ainda resta, na contramão dos programas e projetos implementados pelos governos petistas entre 2003 e 2016″, pontua Bebel.
Nem trabalha. Nem tem emprego. Nem tem direito.
O estudo do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas também aponta que os jovens sem trabalho e sem estudo foram mais afetados pela pandemia da Covid-19 do que aqueles que estavam ocupados ou estudando nos doze meses anteriores.
Para aqueles que estavam sem trabalho e sem estudo, houve um fechamento das portas de saída: entre o primeiro e o segundo trimestres de 2020, a probabilidade de saída dessa condição despencou mais de 10 p.p. (de 39% para 28%) e o contrário ocorreu com a probabilidade de permanência.
E na toada do governo Bolsonaro, o que era ruim, ainda pode piorar. Ontem, 11, foi aprovada a minirreforma trabalhista — a versão aprovada pela Câmara Federal tem 96 artigos, cria três novos programas trabalhistas defendidos pela equipe do ministro Paulo Guedes (Economia) e Onyx Lorenzoni (Trabalho e Previdência), e torna permanente o programa de corte de jornada e salário. Assim, as contratações passam a ter regras mais flexíveis.
O novo texto causa prejuízos aos trabalhadores e à juventude brasileira, faz mudanças profundas permanentes na CLT, dificulta acesso à justiça gratuita, permite exploração de jovens, precariza relação de trabalho, cria o subemprego, permite aumento da redução da jornada de trabalho e redução de salários.
“Tirar a perspectiva de estudo e trabalho da juventude é ceifar o futuro de um país inteiro. As mulheres, como sempre, são as mais afetadas e, ao fechar as portas da educação e do emprego, a tendência é empurrá-las de volta à subserviência do lar e dependência do marido. Um retrocesso que não podemos permitir e vamos seguir lutando”, ressalta Anne Moura, secretária nacional de mulheres do PT.
Por fim, os pesquisadores do Ipea apontam várias possíveis saídas para driblar as elevadas vulnerabilidades dos jovens nem-nem, agravadas pela pandemia da Covid-19. Uma delas seria a implementação de uma estratégia de políticas públicas capaz de enfrentar os desafios que estão colocados como a desocupação de longo prazo dos jovens sem estudo e sem trabalho, que pode refletir na falta de motivação e levar os jovens ao desalento, trazendo consequências negativas para o resto da vida laboral; e a elevada proporção de jovens nem-nem que já se encontra desengajada do mercado de trabalho e da educação. “Ou seja, a solução passa por investimento público em educação, garantia de direitos sociais e trabalhistas, o que infelizmente não está no radar do governo Bolsonaro, muito pelo contrário. Por isso, a juventude segue organizada e nas ruas para ter direito ao futuro e à construção de um novo Brasil”, finaliza Nádia.
Ana Clara, Elas Por Elas