O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), pretende validar juridicamente as mensagens do Telegram envolvendo procuradores e o então juiz Sergio Moro divulgadas pela Vaza Jato. Ele vai pedir à Procuradoria-Geral da República (PGR) que analise indícios de desvios funcionais de membros do Ministério Público, e deve demandar a verificação da autenticidade do material.
O procurador-geral Augusto Aras disse, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo na semana passada, que se validadas, as mensagens poderão servir para embasar eventuais procedimentos no (CNMP), porém, não serviriam para anular condenações já impostas.
O advogado criminalista Arthur Sodré Prado, membro da Comissão de Direito Penal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), discorda dessa abordagem. Para ele, como as mensagens foram obtidas ilegalmente, por meio de um suposto hackeamento, não seria possível processar nenhum dos interlocutores envolvidos pelas eventuais irregularidades reveladas, mas que os conteúdos não podem ser ignorados pela Justiça.
“Todos esses registros poderiam servir enquanto favoráveis a alguém, mas não podem servir para punir ninguém”, afirmou aos jornalistas Marilu Cabañas e Glauco Faria, no Jornal Brasil Atual, nesta segunda-feira (7). Nesse sentido, ele diz que as conversas da Vaza Jato, se validadas pela PGR, podem ser utilizadas pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no processo relativo ao habeas corpus que pede a suspeição do então juiz Sergio Moro, a ser julgado pela Segunda Turma do STF.
Julgamento pela mídia
O criminalista alertou para as consequências negativas das decisões da Justiça em julgamentos de ampla repercussão, muitas vezes com o veredicto antecipado pela imprensa. Ele diz que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e STF acabam adotando decisões que vão contra a própria jurisprudência adotada por esses tribunais, em nome de um suposto bem maior no combate à corrupção.
“No final das contas, esses processos criminais interessam a todo mundo, mas na ponta tem uma pessoa. Se estou lá em julgamento, não quero que um ministro julgue o quadro de corrupção. Quero que julgue o meu caso, em particular, e não politicamente. Processos não podem ser julgados de acordo com as maiorias de ocasião”, disse Prado.
A própria Folha, em artigo assinado pela sua ombudsman Flavia Lima, diz que o jornal cometeu excessos na cobertura que realizou desde o início da Lava Jato. O criminalista destacou a prática adotada em países europeus em que os jornais não publicam informações de processos que correm em sigilo e evitam, até mesmo, mostrar a prisão de indivíduos, como forma de não interferir no trabalho da Justiça.
Pacote “anticrime”
O representante da Comissão de Direito Penal da OAB-SP também criticou o chamado “pacote anticrime” proposto por Moro. Ele diz que a simplificação na mensagem dificulta o entendimento das pessoas, criticando também o fato de a proposta não ter sido acompanhada por uma exposição de motivos. “É muito fácil embalar numa caixinha 25 coisas e rotulá-las como ‘anticrime’. Desde o surgimento do Direito Penal existe uma preocupação em ser anticrime.”
Ele também criticou a introdução de mecanismos típicos da tradição do Direito Penal estadunidense, como o chamado plea bargain, que prevê a negociação entre Ministério Público e o acusado para o reconhecimento de culpa. “No final das contas é o Ministério Público que vai selecionar o que encaminha ou não para o Judiciário”, pontua. “Todo mundo diz que os acordos são bons, que os processos são rápidos, mas nnguém vai olhar a literatura norte-americana que aponta que os acordos são injustos, com a condenação de inúmeros inocentes.”