Natural de Cabo Frio, na Região dos Lagos, Thaís Marques, de 19 anos, se mudou para Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro, para estudar Jornalismo na Universidade Federal Fluminense (UFF). Para se manter na universidade e ajudar a irmã, que é estudante do curso de Biomedicina, ela compartilha seu único ganho: uma bolsa do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), financiado pelo CNPq, no valor de 400 reais.
“Entramos numa fase bem difícil financeiramente porque meu pai ficou desempregado. Em 2018, começamos a fazer ‘coisas por fora’, vender bolo, fazer trança. Já aconteceu de a gente pegar o dinheiro e ir direto para o mercado comprar o que comer. Foram os tempos mais difíceis que a gente passou”, conta destacando que, junto com a irmã, aguarda na lista de espera a renovação do auxílio moradia, no valor de 300 reais, e planeja se candidatar à bolsa de apoio emergencial, que é concedida aos estudantes após uma avaliação da Divisão de Serviço Social da universidade.
Recorrer aos “bicos” para se manter na universidade é um caminho comum de muitos estudantes da graduação. No campus da UFF em Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense, por exemplo, a ausência de alojamentos disponibilizados pela universidade faz com que estudantes troquem serviços domésticos por moradia, segundo Cassiana Simões, coordenadora de assistência estudantil.
“E essa situação pode piorar. O corte de verba anunciado pelo Ministério da Educação (MEC) traz a perspectiva de que o orçamento do Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes) não avance. A verba disponibilizada esse ano é a mesma do ano passado. Sem contar que o Pnaes é um decreto, ainda não é uma lei, e pode ser revogado a qualquer momento pelo presidente”, alerta. Para Cassiana, o perfil socioeconômico ainda é determinante para permanência na universidade.
Ainda que não acompanhe a crescente demanda e não dê conta das despesas diárias dos alunos da graduação, a assistência estudantil ajuda a manter grande parte dos estudantes de baixa renda na universidade pública. A estudante de História Nathália Silvério, de 23 anos, acrescenta que além de garantir permanência, as bolsas ajudam no melhor desempenho acadêmico.
“Antes me preocupava se ia ter dinheiro para passagem, para xerox e para comer no bandejão. Com a bolsa, consegui afastar um pouco essas preocupações e melhorar muito meu rendimento”, conta a jovem que sempre estudou em escola pública e recebe a bolsa de Desenvolvimento Acadêmico, no valor de 400 reais. Na UFF, de 2015 a 2016, ao menos 82 bolsas foram oferecidas nesta modalidade.
Segundo Nathália, que é a primeira integrante da família a ingressar na universidade pública, há impactos visíveis na educação desde a eleição de Jair Bolsonaro. “A primeira coisa é a desmotivação no rosto dos nossos colegas. Também o abandono dos estudos porque muitos tem que trabalhar por não conseguem bolsa”, completa.
Cortes
Na mira do corte de 30% do orçamento das universidades federais de todo país, a UFF terá 26,44% a menos de verba de custeio e investimentos neste ano, segundo o mapa feito pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior no Brasil (Andifes) com base nos dados do Sistema de Administração Financeira do Governo Federal (Siaf).
A redução equivale a 54.550 milhões de reais e atinge o maior número de alunos matriculados na graduação entre todas as universidades federais do país – mais de 55 mil estudantes, espalhados em 10 municípios do interior do estado do Rio de Janeiro onde ficam os campi da UFF.
Ainda que tenha impacto direto nas verbas que são destinadas a pagar contas de água, luz e serviços terceirizados, o corte também poderá atingir os alunos que fazem parte do Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes). O programa, criado em 2008 pelo governo Lula, apoia a permanência de estudantes de baixa renda matriculados em cursos de graduação das instituições federais de ensino superior com auxílio moradia, alimentação, transporte e creche.
“Muitos alunos dependem da assistência, seja por terem ingressado por vagas reservadas a estudantes de baixa renda, seja por dependerem de uma economia local que funciona pela distribuição de bolsas e de serviços como a moradia estudantil”, destaca Douglas Leite, da diretoria da Associação dos Docentes da UFF (Aduff) e professor da Faculdade de Direito.
Estrutura
Antes do anúncio do corte de verba para este ano em todas as universidades federais, a UFF já sofria com dívidas e obras inacabadas no interior do estado. Em Campos, três contêineres alugados usados como salas de aula, laboratório e secretaria, estão sob ameaça de serem retirados até dezembro.
“É uma situação precária em Campos, e agora a gente está na iminência de fechar. Sem verba, os prédios alugados possivelmente também não vão ser mantidos. A gente não tem espaço pra trabalhar”, diz a professora Elis Miranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional, Ambiente e Políticas Públicas. A precariedade das instalações e os novos cortes colocam em risco a continuidade das aulas.
Por Brasil de Fato