O desmonte do Estado brasileiro promovido por Jair Bolsonaro assumiu contornos dramáticos durante a pandemia de Covid-19, com a realização de experimentos macabros como a indicação do chamado kit covid, composto de medicamentos sem eficácia para combater a doença. Nesta quarta-feira (6), a CPI da Covid examinou as responsabilidades do diretor da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Paulo Rebello, no plano de Bolsonaro de promover a imunidade de rebanho, que acelerou a contaminação e as mortes pela doença no país. O foco dos trabalhos foi a falta de fiscalização, por parte da agência reguladora, no controle das atividades da operadora de saúde Prevent Senior, que por suas práticas negacionistas, agravou o estado de saúde de pacientes idosos, contribuindo inclusive para a morte de usuários.
Além da prescrição de drogas perigosas para a saúde, a Prevent Senior é acusada de adulterar atestados de óbito para esconder nomes de pacientes mortos por Covid-19. À CPI, Rebello afirmou que soube somente das denúncias sobre a Prevent, de conhecimento amplo do público desde abril de 2021, por causa da CPI. Ele foi desmentido pela comissão.
O senador Humberto Costa (PT-PE) mencionou as denúncias contra a operadora feitas ainda no ano passado, de modo que o diretor, que tomou posse em julho deste ano, não teria como não saber. Costa achou estranho que o diretor tenha declarado não saber do escândalo envolvendo a Prevent Senior em 2020, quando a imprensa deu cobertura ao elevado número de casos e mortes registrados nas instalações da operadora.
“Do pedido que foi feito pela deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) terminou saindo uma avaliação da ANS de que não havia nada de mais ali, que estava dentro da autonomia do médico, que não estava comprovado nada daquilo que estava colocado”, lembrou o senador, pontuando que a agência só agiu quando a CPI expôs o caso.
Regulação e defesa do usuário
Ao contrário da política corriqueira de desmonte da fiscalização promovido por Bolsonaro em diversas áreas, Humberto Costa ressaltou que é papel da ANS regular o mercado, estabelecendo práticas corretas, garantindo um bom serviço e, principalmente, defendendo o usuário.
“Para isso, é preciso que a agência seja autônoma e, ao mesmo tempo, que ela exista. Esse governo, como em todas as áreas, não valoriza a assistência à saúde suplementar. Primeiro porque não valoriza própria agência. Vossa Senhoria é o único diretor efetivo. O outros são substitutos”, destacou Costa.
“Por que o governo não os efetiva?”, perguntou. Para o senador, a estratégia de Bolsonaro é esvaziar a agência. “O desejo desse governo é fazer com que as coisas não funcionem, que o direitos das pessoas não sejam respeitados”, alertou.
Lucro
Costa exibiu uma apresentação sobre o sistema suplementar, demonstrando que a queda da sinistralidade permitiu a que o setor tivesse o maior lucro da sua história.
Ele também negou que a CPI tenha intenção de prejudicar os usuários da Prevent Senior por causa das denúncias envolvendo a operadora. “Pelo contrário, o que estamos fazendo aqui é lutar para que o usuário tenha um tratamento digno, que não seja cobaia”, defendeu.
O senador cobrou do diretor responsabilidade da ANS na fiscalização de operadoras que utilizam um sistema vertical de prestação de serviços, quase todos oferecidos pela mesma empresa. “Isso é responsabilidade da ANS”, apontou Costa.
Morosidade
Costa concluiu sua participação defendendo uma mudança na Legislação que permita ao Senado a retirada de diretores incompetentes das agências reguladoras. E criticou a demora de Bolsonaro em indicar técnicos, deixando vagos cargos fundamentais para o exercício de regulação e fiscalização. “Esse governo é ruim em tudo. Em todas as áreas”, resumiu.
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) fez uma reflexão sobre o papel do Estado durante uma crise da gravidade da Covid-19, do ponto de vista tanto da regulação das agências como da capacidade de resposta de um país, com medidas imediatas de mitigação dos efeitos da crise. Ele chamou a atenção para os efeitos nefastos de uma visão negacionista sobre órgãos de controle no combate à pandemia, tanto nos EUA quanto no Brasil.
Estado fraco
“Essa pandemia mostrou a vulnerabilidade do mundo e, principalmente, de um país como o Brasil, que tem políticos que fazem de tudo para tornar o Estado fraco. Não fomos capazes de planejar o dia seguinte”, apontou. “E em um momento pior, com um governo que negava a ciência”, frisou senador, lembrando da atuação de Bolsonaro pela propagação do vírus da Covid.
“Essa foi a estratégia adotada pelo presidente e pela qual ele deve ser responsabilizado. E fez isso enganando brasileiros e brasileiras com o uso de medicamentos sabidamente ineficazes, para gerar a sensação de proteção [e permitindo que] mais brasileiros se infectassem, adoecessem”, discursou. Segundo o senador, a estratégia foi incorporada aos procedimentos da ANS e a agência precisa ser investigada.
“A verticalização precisa ser investigada, é preciso analisar, do ponto de vista do interesse da vida, do usuário. Ela está no âmago da mitigação do custo”, argumentou. “É preciso ter algum grau de separação, de controle”, advertiu, lembrando que “quanto menos sinistralidade, menos custo, mais a operadora ganha”. Essa visão excessiva no lucro, alertou, “pode custar vidas”.
Da Redação