A combinação de economia estagnada, inflação descontrolada e desemprego galopante dos últimos dois anos tirou R$ 18 bilhões da massa de renda dos trabalhadores brasileiros, agravando a degradação já observada antes da pandemia. A participação dos salários na formação do Produto Interno Bruto (PIB), que já estava em 35,4% em fevereiro de 2020, desabou para 30,2% em abril de 2021, em movimento oposto ao crescimento da proporção de lucros e juros observado desde o início da crise.
Em janeiro deste ano, a massa salarial chegou a 30,9% do PIB, mesmo com a redução da taxa de desemprego do pico de 14,8%, em abril de 2021, para 11,2%. Ao mesmo tempo, a proporção de trabalhadores ganhando apenas o salário mínimo (35,3%, ou 33,8 milhões de pessoas) é a maior da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, que começou em 2012. Entre março de 2020 e dezembro do ano passado, 6,5 milhões de trabalhadores ingressaram nesse grupo.
Os números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foram compilados pela Corretora Tullet Prebom Brasil a pedido do jornal O Globo. “Nunca teve tanta gente empregada ganhando até um salário mínimo. Há uma precarização do mercado de trabalho, com informalidade e subemprego, com a massa de rendimento do trabalho caindo bastante, voltando aos níveis de quatro, seis anos atrás”, disse ao jornal Bráulio Borges, economista da LCA Consultores. “A contrapartida são os lucros das empresas observados na economia”, conclui o relatório da corretora.
“Aumento real não existe no Brasil nesse momento. Quando a inflação perder força, esse rendimento deve aumentar, mas vai depender do dinamismo do mercado de trabalho. Estamos falando de 12 milhões de desempregados. Não há muito espaço para ganhos”, finaliza o também pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Lucas Assis, economista da Tendências Consultoria, estima que o rendimento ainda cairá mais 4% neste ano. “Vamos para o terceiro ano seguido sem reajuste real do salário mínimo. E não há perspectiva de que isso mude até 2026. A pandemia piorou o que já era ruim”, comentou. “Vamos continuar com a taxa de desemprego em dois dígitos por muitos anos. As condições de vida dos brasileiros estão bastante deterioradas.”
Embora o Globo, defensor de primeira hora das “reformas trabalhistas”, tente apontar a pandemia como motivo central da degradação, foram justamente esses ataques à organização do trabalho no país que criaram as condições para a derrocada econômica que a crise acelerou. O “mea culpa” involuntário foi feito pelo presidente do Banco Central (BC) “independente”, Roberto Campos Neto, em programa da Band News.
Reformas dos governos do golpe cavaram o abismo nacional
“Presidente do BC de Bolsonaro admitiu que as reformas neoliberais que tiraram direitos dos trabalhadores e aposentados deram água. A sociedade foi enganada. Hoje temos inflação fora do controle, juros altos, queda do poder de compra, desemprego e crescimento pífio”, comentou a presidenta nacional do PT, Gleisi Hoffmann, no Twitter.
Adriana Marcolino, técnica da subseção do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) da Central Única dos Trabalhadores (CUT), segue a linha da deputada federal paranaense. “A queda dos rendimentos do trabalho é anterior à pandemia, começou com a retirada de direitos dos trabalhadores em 2017”, disse a economista ao portal da CUT, lembrando a “reforma trabalhista” empreendida pelo usurpador Michel Temer sob a falsa promessa de criação de seis milhões de empregos.
A partir do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, 117 artigos e outros 200 dispositivos da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) foram alterados ou sofreram impactos da “reforma” de Temer. A destruição é completada por Jair Bolsonaro, que utiliza o recurso das Medidas Provisórias (MP) como bombas para privilegiar os patrões. Desde então, trabalhadores e trabalhadoras perdem mais a cada dia.
Em 2016, ano em que Dilma Rousseff foi afastada pelo golpe, a massa salarial fechou o ano no pico histórico, chegando a 44,7% do PIB. Em 2014, com o desemprego no menor nível da história (4,3%), 92% das negociações salariais haviam contabilizado ganhos reais. Em toda a série do Dieese, o percentual ficou abaixo somente dos registrados em 2010 (Lula) e 2012 (Dilma).
Sob a legislação trabalhista dos anos dos governos do PT, o saldo líquido de geração de empregos formais no país foi de 14 milhões entre 2003 e 2014, conforme o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do antigo Ministério do Trabalho e Emprego. Em 2015, começou a crise fabricada pelos derrotados em 2014 que culmina agora em terra arrasada para os trabalhadores.
“A pandemia, de fato, provocou um grande impacto negativo no mercado de trabalho, mas no período de reabertura da economia a regra para novas contratações tem sido aprofundar a precarização e informalidade e reduzir salários, facilitadas pela falta de uma ação governamental que procure resolver esses problemas”, prossegue Adriana.
“Essa queda vem do aumento da desregulamentação da legislação trabalhista, do baixo crescimento, da falta de fiscalização do trabalho, da falta de políticas públicas para gerar empregos de qualidade, do abandono da política de valorização do salário mínimo… É uma lista grande de problemas que o governo brasileiro não está atuando devidamente”, enumera a técnica do Dieese.
Na última quarta-feira (23), em celebração aos 30 anos da Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM), a CUT promoveu a live “Por empregos e direitos, a classe trabalhadora pela revogação da reforma trabalhista!”, para discutir políticas públicas que resgatem a dignidade de trabalhadores e trabalhadoras do país.
“A gente voltou para o Mapa da Fome, perdeu empregos, perdeu direitos, perdeu familiares e amigos, foram mais de 600 mil mortes nesta pandemia, muitas poderiam ser evitadas caso o fascismo não estivesse no poder”, destacou o presidente da CNM/CUT, Paulo Cayres, o Paulão. “A classe trabalhadora viu o que significou o impeachment e a eleição do atual governo para o Brasil. Mas a retomada de um governo progressista se avizinha e é nisso que temos que ter esperança.”
Da Redação, com Imprensa CUT