A ditadura militar elogiada por Jair Bolsonaro (PSL) destruiu a família do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz. Ele é filho de Fernando Santa Cruz, preso pelo regime e desaparecido até hoje. Essa ferida foi reaberta nesta segunda-feira (29) quando Bolsonaro debochou do caso dizendo: “se o presidente da OAB quiser saber como o pai desapareceu no período militar, eu conto para ele”.
Fernando era funcionário público e tinha residência fixa quando foi preso. Desaparecido há 45 anos, agora tem sua história desonrada por Jair, que levanta falsas acusações afirmando que ele teria integrado um grupo “sanguinário e violento da guerrilha lá de Pernambuco”. Ele continua a sequência de absurdos afirmando que seu filho “não vai querer saber a verdade”.
Em carta publicada nas redes sociais, Felipe, relata com orgulho do compromisso de seu pai na defesa da democracia enquanto militante do movimento estudantil e aponta a crueldade da fala de Bolsonaro. “Lamentavelmente, temos um presidente que trata a perda de um pai como se fosse assunto corriqueiro – e debocha do assassinato de um jovem aos 26 anos”, afirma. Leia a íntegra aqui.
Minha avó acaba de falecer, aos 105 anos, sem saber como o filho foi assassinado. Se o presidente sabe, por “vivência”, tanto sobre o presente caso quanto com relação aos de todos os demais “desaparecidos”, nossas famílias querem saber – complementa Felipe.
Conheça a história de Fernando
Natural de Pernambuco, ele foi morar no Rio de Janeiro em 1968 tentando fugir da perseguição política que sofra em sua terra natal. Na capital carioca, casou com Ana Lúcia Valença e teve Felipe, seu único filho, que tinha apenas dois anos quando o pai desapareceu.
No dia do desaparecimento, em fevereiro de 1974, Fernando tinha saído para visitar o amigo de infância Eduardo Collier Filho. Com medo, avisou a família que se não voltasse até às 18h, poderia ter sido preso. E não voltou. Desde então, seus parentes deram início a uma longa jornada em busca de seu paradeiro sem obter sucesso.
Até hoje, seus parentes convivem com a dor da falta de respostas. Existem duas principais hipóteses sobre o que pode ter acontecido com os dois. A primeira é de que, após serem capturados no Rio de Janeiro, teriam sido levados ao DOI-CODI, em São Paulo, órgão que ficou conhecido por torturar vítimas do regime. Eles teriam morrido lá e sido enterrados como indigentes.
A segunda, é de que Fernando e Eduardo tenham sido levados para um centro clandestino de tortura em Petrópolis (RJ), conhecido como “casa da morte”. De lá, seus corpos teriam sido levados para incineração em uma usina de açúcar.
Fernando não foi a única vítima que a ditadura militar fez na família. Sua irmã Rosalina Santa Cruz, também foi presa e torturada pelo regime. Já seu irmão Marcelo Santa Cruz foi expulso do curso de Direito da Universidade Federal de Pernambuco e exilado. A trágica história consta no terceiro relatório da Comissão Nacional da Verdade, publicado pelo Governo Federal em dezembro de 2014.
Bolsonaro desonra o cargo que ocupa
Em nota, a OAB repudia a fala de Bolsonaro e afirma que sua postura não é compatível com o cargo que ocupa, pois, a “Chefia do Poder Executivo exige que seja exercido com equilíbrio e respeito aos valores constitucionais, sendo-lhe vedado atentar contra os direitos humanos”.
Nesse sentido, o órgão ressalta que todas as autoridades do país devem respeito a Constituição Federal, que “tem entre seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, na qual se inclui o direito ao respeito da memória dos mortos”.
Essa, no entanto, não é a primeira vez que Bolsonaro fere esses princípios. Ele que sempre elogiou a ditadura, tem como ídolo o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, conhecido como um dos maiores torturadores do regime. Seu fascínio pela crueldade é tanto que, em março, ele chegou a determinar que os militares celebrassem o golpe de 64, que completou 55 anos dia 31 de março.
Fala é vista por Haddad como ameaça
Para o ex-ministro Fernando Haddad (PT), a fala de Jair Bolsonaro pode ser vista como uma ameaça ao presidente da OAB, Felipe Santa Cruz. Já a presidenta nacional do PT, Gleisi Hoffmann afirma que, se ele sabe como foi o desaparecimento e não tomou nenhuma providência sobre o crime, passa a ser corresponsável. “É cúmplice e, a partir de hoje, réu confesso”, destaca.
O líder do PT no Senado, Humberto Costa, também classifica a fala como criminosa e ressalta que Felipe Santa Cruz teve “a memória do pai atacada”. Já o líder do PT na Câmara, Paulo Pimenta, lembra que Bolsonaro “idolatra genocidas, torturadores e ditadores” conduzindo o país para um “estado policial autoritário que corroe a democracia e as instituições”.
Da Redação da Agência PT de Notícias