Celebrada por Bolsonaro, Ditadura Militar torturou ao menos 40 crianças

Regime dilacerou milhares de famílias que sequer puderam enterrar seus entes; violência não poupou nem mesmo quem acabara de começar a vida

Olhe para o semblante de cada uma das crianças que ilustram a imagem de destaque desta notícia. O riso espontâneo, a inocência pura e cativante, os olhos curiosos diante do mundo. Mas estas não eram crianças comuns, que podiam desdenhar do tempo e viver o presente como se não houvesse amanhã. O que a imagem não mostra, no entanto, a história tratou de desvendar: estes meninos e meninas de pouca idade – a exemplo do que ocorria com os seus pais – foram abusados, violentados e torturados pela Ditadura Militar instalada no Brasil após o Golpe de 1964.

Foram décadas de silêncio em que o grito não permaneceu apenas entalado. Ele foi coibido. Cerceado. Negado. Mais do que tudo, negado – não à toa, a negação maior vem de um presidente eleito a base de mentiras que sugeriu uma “festa” para celebrar a data do golpe.

Festa que jamais entraria em pauta caso Bolsonaro trocasse A Verdade Sufocada, seu livro de cabeceira que conta os feitos do Coronel Ustra (o mais sanguinário dos agentes do DOI-CODI), por um exemplar de Infância Roubada, obra fundamental para entender um dos lados mais sombrios do regime.

O livro, de onde foram extraídas as imagens citadas acima, é o resultado de uma árdua pesquisa realizada pela Comissão da Verdade Rubens Paiva, da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, num trabalho marcado por desafios incomuns. Publicada em 2014, a obra remexeu num delicado baú de memórias que, embora tenham trazido à tona velhos traumas, hoje serve exatamente para evitar que atrocidades semelhantes aconteçam.

“Deixá-los à vontade para “abrir o baú de lembranças” foi, com toda certeza, um exercício de sensibilidade e paciência, importante não só pelo respeito a eles devido por todos, mas também para que os depoimentos pudessem ser compartilhados com outras pessoas e gerações”, pontua o prefácio do livro.

A começar pela própria concepção do trabalho, Infância Roubada é um soco no estômago de qualquer um que ainda tenha um vestígio sequer de empatia pelo próximo. E, mais do que tudo, de todos aqueles que viveram na pele as muitas formas de violência praticadas pelo regime militar brasileiro.

Neste trecho, dá para ter a dimensão do que acontecia com a infância de quem era filho ou filha de nomes perseguidos pelo esquadrão da morte:

“Houve crianças que foram torturadas para forçar seus pais a denunciarem outros companheiros. Gino Ghilardini, à época, com 8 anos de idade, filho de Luis Ghilardini (1920–1973), comunista assassinado sob torturas no DOI-CODI/RJ, foi preso juntamente com a mãe, Orandina. Ambos foram torturados. O menino Gino conta que era violentado para o pai falar o que sabia: “Eu ouvia meu pai ali perto gemendo, eu escutava, mas não podia fazer nada”. Passados uns dias, Gino foi encaminhado e ficou durante vários meses na Fundação Nacional do Menor no Rio de Janeiro.”

No livro há também o caso de Zuleide Aparecida do Nascimento, que O Globo, trouxe à tona nesta quarta (27), em meio à mais uma crise institucional do governo vigente, desta vez justamente por tentar alterar a imagem que o próprio Brasil e as mais respeitadas comunidades internacionais já decretaram como verdade incontestável.

“Zuleide e os irmãos de 2, 6 e 9 anos foram “capturados” no Vale do Ribeira, onde sua família se engajara na luta armada contra o regime. Ali, Carlos Lamarca comandava quadros da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Quando o grupo foi preso, as crianças também o foram.

Acabaram fotografadas fichadas e tachadas como “miniterroristas” no temido Dops  (Departamento de Ordem Política e Social). E foram banidas do Brasil. Ao lado de 40 presos políticos, embarcaram em um avião em direção à Argélia, e depois a Cuba.  “Sou uma pessoa sem identidade. Fui alfabetizada em espanhol. Meus documentos foram cassados, nem sei que dia nasci. Me sinto mais cubana do que brasileira”, diz”.

As duas histórias citadas estão ao lado de outras 38 contadas com detalhes pelas próprias “crianças” – hoje adultos que já não temem gritar por liberdade. As suas vozes, no entanto, ainda precisam ser ouvidas. Para sempre.  Como bem define o livro,  “o conhecimento sobre o passado é capaz de iluminar o presente e abrir caminho para um futuro em que os direitos sejam respeitados e os deveres cumpridos por todos. O olhar daquelas crianças aponta na direção do fortalecimento do Estado de Direito Democrático e da construção de uma cultura de total respeito aos Direitos Humanos”.

Por Henrique Nunes da Agência PT de Notícias com informações do Globo

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