Ana Clara, Elas Por Elas
O Brasil chegou ao final de 2020 com mais de 14 milhões de desempregados, sendo 7 milhões e 300 mil mulheres e 6 milhões e 555 mil homens. Já a taxa de desemprego, entre o primeiro e o último trimestre do ano passado, evoluiu mais entre os trabalhadores (9%) do que entre as trabalhadoras (7%), segundo dados do IBGE.
Se pararmos por aqui, você pode pensar que, apesar das mulheres ainda serem a maioria desempregada, os homens estão sendo mais afetados pela escalada do desemprego do que elas. Mas não é verdade.
“Houve um número maior de mulheres que, simplesmente, abandonaram a procura por trabalho no ano de 2020. Elas estavam trabalhando, ficaram desempregadas e abandonaram a procura por trabalho. Isso não aparece na taxa de desemprego, mas aparece nos dados da população fora da força de trabalho”, explica Marilane Teixeira, economista, doutora em desenvolvimento social e econômico pela Unicamp e professora e pesquisadora do CESIT/IE.
Marilane traz à tona essa parcela da população que, de fato, abandonou a perspectiva de procurar emprego. No primeiro trimestre de 2020, eram 43 milhões 408 mil mulheres fora da força de trabalho. No quarto trimestre, esse índice chegou a 48 milhões. Já entre os homens, eram 27 milhões no final do ano passado.
Ou seja, quando os dados indicam “desempregado” significa que a pessoa ainda está procurando emprego. Os homens seguem à frente, porque ainda estão inseridos no mercado e procurando uma colocação. Já as mulheres abandonaram de vez essa perspectiva, portanto elas não aparecem nessas estatísticas.
E por que elas “desistem”?
A resposta também está nos dados e reforça o sistema patriarcal que rege e oprime a vida das mulheres.
Ao serem questionadas as razões pelas quais não estão buscando uma colocação, mais da metade das mulheres respondeu: afazeres domésticos, não tem com quem deixar os filhos, não tem acesso à creche ou não tem com quem deixar uma pessoa que está sob seus cuidados.
“Isso tem a ver com toda a discussão sobre com quem recai a responsabilidade. Uma situação de pobreza em que a família está desempregada e os filhos não tem acesso à creche, quem vai abandonar a perspectiva de procurar trabalho para garantir os cuidados da família são as mulheres. É atribuída a elas essa responsabilidade”, pontua Marilane.
Para a mesma pergunta, 34% dos homens responderam que não havia trabalho na localidade e 17% alegaram problema de saúde. Apenas 3% dos homens apontaram afazeres domésticos e cuidados com filhos como impedimento para buscar trabalho.
“A irresponsabilidade do governo na condução da pandemia só agrava a situação das mulheres. Sem vacina, sem política pública e com o vírus circulando, é mais tempo de escola e creche fechadas, de atividades econômicas afetadas e consequentemente de trabalhadoras fora do mercado de trabalho. Quanto mais tempo fora, mais difícil para retornar“, avalia Anne Moura, secretária nacional de mulheres do PT.
De fato, o percentual de mulheres que permanecem sem conseguir trabalho é maior do que os homens. Em 2019, 37% das mulheres estavam procurando trabalho há mais de um ano contra 27% dos homens na mesma situação.
Desalentadas
Essa é uma categoria de “desemprego oculto” por trás dos indicadores de desemprego no país. Se somarmos os dados de desalentados e desemprego aberto no Brasil, chegamos a 19 milhões e 713 mil, no final de 2020. Muito mais do que os 14 milhões de desempregados citados no início da matéria.
Uma pessoa “desalentada” significa que desistiu de procurar trabalho por alguma razão: pode ser quem não tinha com quem deixar tarefas de cuidado; quem cansou de procurar; ou não tem recurso para buscar trabalho. Em 2014, a taxa de desalento no Brasil era de 1 milhão e meio de pessoas.
Hoje, os desalentados são 5 milhões e 700 mil. Ou seja, o desemprego dobrou e a categoria de “desalentado” quatruplicou.
No primeiro ano da pandemia, tivemos um aumento 627 mil mulheres em situação de desalento. Enquanto entre os homens, nesse período, o aumento foi de 390 mil. Praticamente o dobro das mulheres foram para uma condição de desalento em 2020.
No total, mais da metade dos desalentados são mulheres (55%), o que corresponde a 3 milhões 223 mil trabalhadoras, contra 2 milhões 564 mil homens na mesma situação. Na série histórica, a situação das mulheres não é diferente. Entre 2014 e 2019, o desalento entre as mulheres cresceu 175%, já entre os homens 100%.
“Essas mulheres gostariam de retornar ao mercado de trabalho, no entanto tiveram que desistir dessa possibilidade porque tiveram que cuidar dos filhos, ou de algum parente, pessoas enfermas, familiares com Covid”, aponta a economista.
Marilane reforçou que o desemprego aberto também seguiu maior entre as mulheres, porque a pandemia atingiu atividades econômicas em que as mulheres estão mais inseridas como o setor de serviço e domiciliar.
“Nós temos uma sociedade absolutamente exausta: ausência de políticas públicas, mulheres com pouca perspectiva. Isso acaba sendo componente fundamental para a definição de desemprego, desalento, se vai para o mercado de trabalho, e em que condições. E, principalmente, quando ela consegue colocação, o destino são os empregos mais precários e flexíveis”, finaliza.