A previsível condenação do ex-presidente Lula no tribunal de 2ª instância de Porto Alegre não é o fim da trajetória política da maior liderança popular da história do Brasil. Tão pouco será capaz de apagar da memória do povo brasileiro as conquistas e os avanços alcançados ao longo dos 13 anos do governo democrático do Partido dos Trabalhadores(PT), que ousou sonhar com um Brasil soberano, mais inclusivo, mais justo socialmente e respeitado em todo mundo.
Tendo posto, é inevitável deixar de pontuar a panaceia jurídica que caracterizou o julgamento do ex-presidente. Os três desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região condenaram Lula por uma acusação que não consta nos autos do processo julgado na última quarta-feira, 24. No caso em questão, o Ministério Público Federal acusa Lula de receber vantagem indevida em razão de contratos firmados entre a construtora OAS e a Petrobras.
Mais do que isso, o Ministério Público acusa Lula de ter recebido o famigerado tríplex do Guarujá como contrapartida de três contratos específicos entre a OAS e a Petrobras, nos quais a empreiteira teria sido beneficiada. Pois bem. Nenhum dos três desembargadores, tão pouco o juiz de 1ª instância, apontou a relação entre o apartamento do Guarujá e os referidos contratos. Ou seja, não há prova factual que comprove a acusação do Ministério Público.
É como se Lula tivesse sido condenado pelo “conjunto da obra”, por uma acusação da qual, sequer, teve oportunidade de se defender, uma vez que a mesma não consta neste processo. Os magistrados inferem que Lula, como responsável pela nomeação de diretores da Petrobras, estaria à frente de um esquema de caixa 2 para o PT, do qual seria beneficiário. Fica a pergunta: em que ponto deste processo o Ministério Público faz tal acusação?
Não é factível no estado democrático e de direito que um cidadão seja julgado e condenado com base em uma acusação que não consta do processo. Isso sem falar em demais questões, já tratadas em artigo anterior, sobre o juiz natural de direito, o foro adequado do processo, o açodamento dos prazos e a não existência de provas de que o tríplex pertence à Lula.
Da forma como aconteceu, a condenação sem provas de Lula, amplamente festejada pelos oligopólios midiáticos e pelo mercado financeiro, caracteriza-se, definitivamente, como a segunda fase do golpe contra a soberania popular brasileira. Depois de saída da presidenta Dilma, sem que ela tenha cometido crime de responsabilidade, a tacanha elite brasileira tenta inviabilizar, de qualquer forma, a candidatura de Lula e tudo que ela representa. Não importam os métodos e o regramento jurídico existente. Instalou-se, no Brasil, o vale tudo contra a soberania popular.
Sabem que Lula é capaz de reestabelecer um projeto desenvolvimentista para o Brasil. Um projeto de resgate da indústria nacional, de ampliação dos direitos dos mais pobres, de valorização da nossa ciência, tecnologia e inovação, de democratização dos meios de comunicação, de ampliação dos direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras, de recuperação do protagonismo internacional, de recuperação do Sistema Único de Saúde e da educação e que se contraponha, de fato, aos retrocessos neoliberais impostos pelo condomínio golpista que apinhou no Palácio do Planalto.
Como não foi capaz de criar nenhuma candidatura que possa enfrentar Lula, a articulação golpista parte para a perigosa tutela da democracia. O que se esquecem é que Lula segue vivo e que, apesar de ter sido derrotado nos tribunais, venceu, mais uma vez, nas ruas. Não há como silenciar o grito das 70 mil pessoas que se reuniram com o ex-presidente em Porto Alegre antes do julgamento e dos 50 mil que estiveram com Lula, em São Paulo, depois da decisão dos desembargadores. Sem falar na grande maioria do eleitorado que já declarou querer votar em Lula, líder em todas as pesquisas.
Com intuito de desmobilizar as forças democráticas, os oligopólios de mídia já começam insistir na tese de que Lula não é e não pode ser candidato, o que não é verdade. Uma candidatura só pode ser impugnada após o trânsito em julgado de processo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A candidatura de Lula será registrada e o PT a defenderá até o final.
A saída para essa crise institucional, econômica e política em que mergulharam o Brasil, após a primeira fase do golpe em 2016, passa, obrigatoriamente, por um radicalismo democrático. Para isso, precisamos da constituição de um governo legítimo, ou seja, que tenha passado pelo crivo de uma eleição direta, livre e soberana, o que só será possível com a manutenção do direito de Lula ser candidato.
Por mais que tentem alijar Lula do pleito, o sonho de um Brasil democrático e mais justo para todos e para todas segue mais vivo do que nunca. Ainda que golpeado, esse sonho resiste e conta com a disposição e a luta de milhões de Lulas e de Dilmas para resgatá-lo. Por agora, como diz o refrão de consagrada canção de Paulo Vanzolini: “levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”.
Danilo Molina é jornalista, foi assessor do Ministério da Educação e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) durante o governo Dilma Rousseff e servidor do Ministério durante o governo Lula.