Por seis votos a três, os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinaram nesta quarta-feira, 8, que as operadoras dos planos de saúde não precisam cobrir procedimentos que não estão previstos na lista da Agência Nacional de Saúde (ANS).
Essa decisão impacta diretamente nos tratamentos de saúde como cobertura de exames, terapias, cirurgias e até fornecimento de medicamentos para brasileiros e brasileiras que desembolsam mensalmente o pagamento pela cobertura.
O rol taxativo da ANS, com mais de 3,7 mil procedimentos, vinha sendo considerado exemplificativo pela maior parte de decisões judiciais sobre o tema. Nesse caso, pacientes que tivessem negados procedimentos que não constassem na lista poderiam recorrer à Justiça para ampliar o atendimento.
Com o novo entendimento, a lista contém toda a obrigatoriedade que os planos são obrigados a pagar, ou seja, o que não está na lista não precisa ser coberto.
Favorecimento do capital financeiro
A coordenadora do Setorial Nacional de Saúde do Partido dos Trabalhadores (PT), Eliane Cruz, critica a ANS que deveria defender os direitos dos usuários dos planos de saúde e não o mercado financeiro.
“A Agência Nacional de Saúde, por si só, é um calvário na vida de beneficiários de planos de saúde porque nunca os defende, pelo contrário, atua sempre em favor do capital financeiro movimentado por meio de planos de saúde coletivos e individuais. Pagar um plano de saúde e não ter acesso a serviços faz parte dessa acumulação de dinheiro nos planos sem retorno com cuidados em saúde. As operadoras precisam, sim, cobrir todos os procedimentos de seus segurados ou beneficiários, e além disso, no futuro, o papel da ANS deve ser alterado para priorizar os beneficiários e não o mercado”.
Durante uma audiência pública da Seguridade Social e Família da Câmara, nesta quinta-feira, 9, o deputado federal Alexandra Padilha (PT/SP) lamentou a decisão do STJ e afirma que haverá luta na busca dos direitos dos brasileiros, garantidos pela Constituição Federal.
“Não vamos descansar, não vamos aceitar nem calados nem parados sobre essa decisão de ontem. A casa das leis tem de ampliar o acesso a tratamentos de saúde, pois o direito já existe está na Constituição. Essas pessoas, que tanto sofrem de doenças e pagam o plano de saúde ao longo de toda uma vida, quando precisam utilizar esse benefício podem ter esse acesso negado por uma interpretação não correta”.
CNS e especialistas são contra
O Conselho Nacional de Saúde (CNS) é contra o rol de procedimentos taxativo da ANS. A entidade encaminhou ao STJ uma recomendação para que julguem pelo entendimento de que o rol de procedimentos da ANS tenha caráter exemplificativo e não taxativo.
Conforme o conselho, o caráter exemplificativo significa que as empresas de planos de saúde devem cobrir procedimentos indicados pelo médico que acompanha o usuário, mesmo que não previstos no rol, desde que haja fundamentação técnica para tanto e, especialmente, no caso de procedimentos já oferecidos pelo SUS.
A conselheira nacional de Saúde e coordenadora-adjunta da Comissão Intersetorial de Saúde Suplementar (Ciss) do CNS, Shirley Morales, explica que a mudança para o rol taxativo limita os benefícios e inviabiliza atendimentos.
“Isso significa que, se surgirem doenças novas como a Covid, ou doenças raras, vários procedimentos vão acabar sendo negados porque não estarão no rol obrigatório. A lista de procedimentos é apenas um exemplo, na verdade os beneficiários têm direito à integralidade de benefícios, tendo em vista a questão da defesa da vida e da saúde de uma forma integral”.
Morales explica ainda que os beneficiários que não foram atendidos pelos planos de saúde vão acabar migrando para o SUS. “Atualmente, o ressarcimento ao SUS não é feito a contento pelas operadoras de planos de saúde. Isso pode representar a morte de vários usuários desses planos e um colapso no sistema”, ressalta.
A recomendação também destaca que o Brasil conta com 49,1 milhões de beneficiários de planos de saúde e que a receita dos planos de saúde cresceu, em R$ 10 bilhões, em 2021 em relação a 2020. Além disso, a mudança da natureza do rol de procedimentos pode acirrar o elevado número de judicializações contra o SUS, entre outros impactos.
Terapias não contempladas
Os especialistas avaliam que o rol de procedimentos da ANS é bem básico e não contempla muitos tratamentos importantes, por exemplo, alguns tipos de quimioterapia oral e radioterapia, medicamentos aprovados recentemente pela Anvisa e cirurgias com técnicas de robótica.
Além disso, a ANS limita o número de sessões de algumas terapias para pessoas com autismo e vários tipos de deficiência. Muitos pacientes precisam de mais sessões do que as estipuladas para conseguir resultado com essas terapias e por isso, no atual modelo, conseguem a aprovação de pagamento pelo plano de saúde.
Entendimento do STJ
- o rol da ANS é, em regra, taxativo;
- a operadora não é obrigada a custear um procedimento se houver opção similar no rol da ANS;
- é possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de um aditivo contratual;
- não havendo substituto terapêutico, ou após esgotados os procedimentos incluídos na lista da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente.
- Para que essa exceção prevista no quarto tópico seja aplicada, é preciso que:
- a incorporação do tratamento desejado à lista da ANS não tenha sido indeferida expressamente;
- haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências;
- haja recomendação de órgãos técnicos de renome nacional, como a Conitec e a Natijus, e estrangeiros;
- seja realizado, quando possível, diálogo entre magistrados e especialistas, incluindo a comissão responsável por atualizar a lista da ANS, para tratar da ausência desse tratamento no rol de procedimentos.
Da Redação, com informações do G1 e CNS