A dolarização dos combustíveis, a má gestão dos reservatórios das hidrelétricas e o abandono das políticas públicas de segurança alimentar estão na origem da inflação de dois dígitos da era Bolsonaro-Guedes. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de dezembro de 2021 subiu 0,73%, fazendo o indicador encerrar o ano com variação de 10,06%, mais que o dobro dos 4,52% registrados em 2020.
Todos os grupos de produtos e serviços pesquisados apresentaram alta em dezembro. Todas as regiões brasileiras também. O resultado de 2021 foi influenciado principalmente pelo grupo Transportes, que apresentou a maior variação (21,03%) e o maior impacto (4,19 p.p.) no acumulado do ano. Na sequência vieram Habitação (13,05%), que contribuiu com 2,05 p.p., e Alimentação e bebidas (7,94%), com impacto de 1,68 p.p. Juntos, os três grupos responderam por 79% do IPCA de 2021.
A alta de 21,03% do grupo Transportes está relacionada principalmente ao comportamento do preço dos combustíveis (49,02%) ao longo de 2021. A gasolina, subitem de maior peso no IPCA, subiu 47,49%, e o etanol, 62,23%, enquanto o óleo diesel teve alta de 46,04%. Apenas em abril e dezembro houve queda nos preços.
A propósito: a empresa presidida pelo general Joaquim Silva e Luna, que afirmou no último sábado (8) não poder “fazer política pública”, anunciou que vai aumentar os preços de venda da gasolina e do diesel para as distribuidoras nesta quarta-feira (12). Segundo Silva e Luna, a Petrobras “coloca recursos nas mãos de quem pode fazer (políticas públicas)”. “Esse dinheiro é público, a empresa tem de prestar contas ao investidor’”, concluiu, em entrevista ao Estado de São Paulo.
Em Habitação (13,05%), a principal contribuição (0,98 p.p.) veio da energia elétrica (21,21%), forçada por uma alegada “crise hídrica” causada muito mais pela gestão dos reservatórios das usinas hidrelétricas do que pela falta de chuvas.
A avaliação é do diretor do Instituto Ilumina, Roberto D’Araújo. À Coluna do Anselmo, do Globo, ele afirmou que a tarifa de energia no Brasil é a segunda mais cara do mundo, e será a mais cara em 2022. O motivo é a sanção, por Bolsonaro, da lei que que obriga o uso de usinas termelétricas movidas a carvão mineral até 2040 em Santa Catarina.
Conforme o IBGE, ano passado, as mudanças no valor da cobrança extra sobre as contas de luz foram decisivas para o resultado do item no IPCA, especialmente em julho e setembro. No primeiro mês, foi reajustada a bandeira vermelha patamar 2, e em setembro foi criada a bandeira Escassez Hídrica, que deve ser mantida até abril de 2022.
Ainda em Habitação, outro destaque foi a disparada do gás de botijão (36,99%), cujos preços subiram em todos os meses de 2021, também como resultado da dolarização adotada na Petrobras por Michel Temer e mantida por Jair Bolsonaro. Com isso, o subitem contribuiu com o 2° maior impacto dentro do grupo (0,41 p.p.).
Em Alimentação e bebidas (7,94%), a variação foi menor que a de 2020 (14,09%), quando contribuiu com o maior impacto entre os grupos. Mas o patamar alcançado em 2020 se mantém alto para os consumidores, particularmente os de renda mais baixa.
O indicador da inflação para famílias com renda mensal de até cinco salários mínimos, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), teve alta de 0,73% em dezembro, mesma variação do IPCA. Mas fechou o ano com alta de 10,16%, acima do IPCA e dos 5,45% registrados em 2020. Em dezembro de 2020, a taxa foi de 1,46%.
O resultado superou as expectativas do mercado financeiro. Analistas consultados pela agência Bloomberg projetavam variação de 9,96% no acumulado de 2021. A meta de inflação era de 3,75% no ano passado, com tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo, podendo chegar até a máxima de 5,25%.
O presidente do Banco Central (BC) “autônomo”, Roberto Campos Neto, terá de escrever uma carta pública explicando esse avanço do IPCA. Será a sexta desde a criação do sistema de metas para a inflação, em 1999. Tradicionalmente, ela é divulgada no mesmo dia do anúncio do indicador, mas como ele está em isolamento por covid, até o início da tarde desta terça não havia se manifestado.
“Aposta na fome”
“Uma inflação acumulada na faixa de 10% não estava no radar de ninguém no começo do ano passado. Ela se desgarrou de um padrão normal”, afirmou ao G1 o economista-chefe da consultoria MB Associados, Sergio Vale. “A inflação ainda não dá sinais de tranquilidade. O cenário é preocupante no início de 2022. Não vai ser fácil trazer a inflação de volta para a meta“, finalizou.
Para a deputada federal Erika Kokay (DF), a inflação descontrolada é um dos elementos da derrocada econômica bolsonarista. “Inflação fecha 2021 em 10,06%. O programa ultraneoliberal de Bolsonaro e Guedes é um verdadeiro fracasso: empobreceu o povo brasileiro, não gerou empregos, destruiu o patrimônio nacional, retirou direitos e afundou a economia brasileira”, afirmou em seu perfil no Twitter.
Supervisora de pesquisas do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Patrícia Costa afirmou, na coluna da entidade no Jornal Brasil Atual, que o desgoverno Bolsonaro quer reduzir inflação “apostando na fome do brasileiro” – diferente do que fizeram os governos do PT.
“Vai ficando cada vez mais difícil para o consumidor ter acesso a alimentos básicos. O real perde valor em relação ao dólar, o que estimula a exportação”, descreve a economista. “Os produtores vão olhando para o mercado externo que tem demanda e olham para dentro e veem um mercado interno deprimido, sem renda, em que o trabalho é cada vez mais espremido, com menores rendimentos e sem geração de empregos. E a opção deles é mandar os alimentos para fora.”
Políticas públicas como a dos estoques reguladores da Conab, que poderiam frear esse movimento, afirma a economista, foram esvaziadas. “O governo nunca deu muita bola para isso porque não houve nenhum tipo de intervenção que fosse capaz de minimizar toda essa inflação. Ele está deixando a inflação subir porque acha que em 2022 ela vai cair”, prossegue.
“A gente não pode deixar que a inflação caia porque as pessoas estão comendo menos, ou comprando menos. Baixar a inflação por conta da fome do brasileiro é extremamente complicado, uma opção difícil e eu diria até perversa”, lamenta. “Este é um país que não cresce, não gera empregos e nem renda suficiente para que sua população, principalmente a mais pobre, possa comer. Esse é o país em que a gente vive hoje.”
Da Redação, com agências e Imprensa IBGE