A investida de Bolsonaro nos sucessivos cortes de orçamento para a educação no país pode resultar na suspensão das atividades da maior universidade federal do Brasil. A reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) divulgou alerta de que não tem verba para funcionar nos próximos meses.
Sem recursos para manter os 55 mil alunos, 1400 laboratórios, nove hospitais, 45 bibliotecas e 15 prédios históricos, a UFRJ pode parar até novembro.
“Temos dinheiro para pagar apenas serviços básicos como água, luz, segurança e limpeza até o mês de agosto”, destaca o pró-reitor de Planejamento, Desenvolvimento e Finanças, Eduardo Raupp.
De acordo com a reitoria, o governo federal cortou R$ 3,2 bilhões da verba discricionária das universidades e institutos federais. Após pressão dos segmentos do setor no dia 3 de junho, o Ministério da Educação anunciou que o valor seria de R$ 1,6 bilhão.
Orçamento discricionário é a verba destinada para pagar o custeio de água, luz, limpeza, segurança e investimento em infraestrutura física.
A reitora da UFRJ, Denise Pires Carvalho, explica que a continuidade dos serviços básicos da universidade está comprometida e que sem o orçamento discricionário para a realização de atividades básicas para os próximos meses, a UFRJ será obrigada a interrompê-las até o restabelecimento das condições mínimas para exercício de suas funções educacionais.
“Teremos que realizar cortes nos contratos de segurança e limpeza, além de deixar de pagar à concessionária de energia, água e esgoto. Devido aos sucessivos cortes, as obras de manutenção e combate a incêndios serão paralisadas. Temos dinheiro para pagar apenas serviços básicos como água, luz, segurança e limpeza até o mês de agosto. Queremos oferecer à comunidade acadêmica um ambiente seguro para continuidade das atividades, mas com os sucessivos cortes e bloqueios torna-se complicada a nossa missão”.
“Não existe educação pública de qualidade sem investimentos”
A coordenadora do Setorial Nacional de Educação do Partido dos Trabalhadores (PT), Teresa Leitão, ressalta que “não há educação pública de qualidade sem investimentos” e lamenta o desmonte das universidades do país.
“Desde que assumiu a presidência, o desgoverno Bolsonaro só investe no descaso e na política de desmonte das universidades. A UFRJ é um exemplo dramático de onde os cortes orçamentários podem nos levar”.
O líder do PT na Câmara dos Deputados, Reginaldo Lopes (PT/MG), ressalta que a bancada do PT está na luta pelo desbloqueio e pela recomposição imediata do orçamento das universidades federais, além da garantia de um orçamento justo para 2023.
“A Educação transforma vidas e precisa ser melhor tratada pelo governo”, ressalta.
Bloqueados cerca de R$ 23 milhões
O pró-reitor de Planejamento, Desenvolvimento e Finanças da UFRJ, Eduardo Raupp, explica que Bolsonaro bloqueou cerca de R$ 23 milhões, sendo R$ 12 milhões cancelados e remanejados pelo governo federal para outros ministérios.
“Com isso, nosso orçamento já caiu para R$ 317 milhões, com a chance de cair para algo em torno de R$ 305 milhões. É um orçamento muito aquém do que a UFRJ precisa. Lembrando que, na discussão do orçamento do ano passado, reivindicávamos, pelo menos, o orçamento de 2019 corrigido pela inflação – o que corresponderia a cerca de R$ 374 milhões. A estimativa é de que o orçamento discricionário mínimo para a UFRJ esteja entre R$ 390 e 400 milhões para o funcionamento adequado, e estamos, provavelmente, ficando com um orçamento com quase R$ 100 milhões abaixo desse valor”.
Ele conta que a UFRJ iniciou o ano de 2022 com valor orçamentário de aproximadamente R$ 329 milhões, que não corrigia as perdas inflacionárias com relação a 2021. “O repasse proposto pelo governo federal para o ano vigente impõe à instituição limitações para sua atuação. A verba inicialmente disponibilizada pelo governo já configurava a impossibilidade de terminar o ano de 2022 sem dívidas milionárias. Com o bloqueio e o corte, a situação se agravou”.
Contas pagas até agosto
Conforme a estimativa, todos os pagamentos estão assegurados apenas até o fim do mês de agosto. Segundo a UFRJ, por obrigação contratual, as empresas devem dar garantias de manutenção dos serviços até 60 dias após o último mês pago.
“Até outubro, contávamos em honrar os compromissos e iríamos administrar em novembro e dezembro os casos emergenciais. Agora, o bloqueio e o cancelamento estão antecipando esse cenário para agosto. Então, setembro, outubro, novembro e dezembro estariam descobertos. A gente estima o impacto de empresas parando entre setembro e outubro. E, sinceramente, sem as reversões do bloqueio e com este corte, parece inevitável”, explica o pró-reitor.
Cortes sucessivos
Desde 2015, as universidades federais estão sofrendo cortes sucessivos no orçamento discricionário. Em 2021, a UFRJ contou com um orçamento de R$ 299 milhões – o menor da década –, tendo registrado uma queda de R$ 75 milhões em relação ao ano de 2020, que também já havia sido alvo de cortes.
Em contraposição, as universidades federais se destacam pelo reconhecimento alcançado frente ao combate ao Coronavírus e à varíola dos macacos, além do diagnóstico e tratamento do Alzheimer, câncer, Parkinson e esclerose lateral amiotrófica. Sem contar as contribuições para o pré-sal.
Durante a pandemia da Covid-19, a UFRJ atuou de forma remota, o que não descaracterizou a excelência de ensino da instituição e a promoção da ciência. O retorno presencial aumentou a expectativa de um maior investimento na educação após tanto tempo de espera, o que não aconteceu. Mesmo com aulas remotas e com o sucateamento educacional, a UFRJ foi avaliada como a melhor universidade federal no QS World University Rankings 2023 e a melhor universidade federal segundo o World University Rankings 2022-23 (Center for World University Rankings [CWUR], dos Emirados Árabes).
Cenário dramático
Para Eduardo Raupp, o cenário é lastimável. “Nesse momento não deixamos a assistência estudantil ser atingida. Estamos preservando as bolsas e auxílios, mas, se nada mudar, diversos investimentos serão afetados e terão que ser postergados, a exemplo dos projetos de benfeitorias no entorno do alojamento estudantil. Todas as intervenções que permitiriam o funcionamento adequado do novo bloco e do entorno estarão comprometidas”, lamenta.
Segundo o Conselho Universitário (Consuni), órgão máximo da UFRJ, o bloqueio e o corte representam “uma opção política, num contexto de recordes de arrecadação em que o governo escolhe sacrificar a educação, a ciência e a tecnologia para se ajustar ao Teto de Gastos, preservando seu orçamento secreto”.
Atualmente, a UFRJ tem cerca de 54.500 estudantes de graduação (presencial e a distância) e aproximadamente 15.700 estudantes de pós-graduação (especialização, residência médica, mestrado e doutorado). Deixar de fornecer o investimento significa privar esses estudantes do direito à educação.
“A UFRJ é a maior e mais antiga instituição federal de ensino do Brasil. Zelar pela manutenção da UFRJ é zelar pela difusão do conhecimento e da ciência. Não voltaremos ao ensino remoto para fazer economia, porque economizar agora vai custar muito caro para o país”, enfatiza a reitora, Denise Pires de Carvalho.
Da Redação, com informações da UFRJ